e a enssynança de bem cavalgar em toda
a sela do poder
(Data: Indeterminada)
País: Da Jangada de Pedra
Autor: Incógnito. “C.”
O manuscrito é um tratado sobre ética e moral destinado a ser
lido por membros da corte. Acredita-se que o autor o compilou, da sua longa
carreira política.
No prólogo afirma, em português arcaico, que é um "ABC da lealdade", que
deveria ser como um manual prático de orientação ética para a monarquia e
demais membros da nobreza (leia-se, em português moderno, os partidos do arco
do poder e os seus barões), versando sobre temas tão diversos como a vida matrimonial
e familiar da classe política, os pecados, os vícios e como aprimorar os
sentimentos e as virtudes dos seus valetes e cortesãos.
A obra carece de uma estrutura rígida, o que é um paradoxo,
face à postura do autor, observando-se ao longo de seus muitos capítulos uma
série de reflexões de índole moral e ética realizadas em várias ocasiões sobre
vários assuntos, incluindo cartas e "conselhos" escritos dirigidos a
membros de sua família política ( estou a citar!). Apesar desta relativa falta
de unidade e substância de estrutura, que a afasta dos tratados morais
tradicionais, a obra impõe-se pela linguagem hermética e seca, o tom intimista
e o caráter profundo do vazio dos seus pensamentos.
É de sublinhar o parágrafo em que sintetiza o seu conselho de
vida: "E ssomariamente de homem a que convém teer boas bestas, e as saber
bem cavalgar, se sseguem estas sete vantagens: A primeira, seer mais prestes
pera servir seu senhor, e acudir a muytas cousas que lhe acontecer poderóm de
sua honra e proveito (Sublinho proveito). A segunda, andar folgado. A terceira,
honrado (anoto: q.b.). A quarta, guardado. A quinta, ser temydo. A sexta, ledo.
A ssétima, acrecenta mayor e melhor coração” (?).
Para que dúvidas não haja: Bem servir. Servir alguém
poderoso e bom traz honra. Ajudá-lo e salvá-lo quando em apuros, pode ser
revertido em benefício do cavaleiro.
E prossegue o autor: “Ainda que algumas afirmações sejam
repetidas, seja-me relevado, por que o faço querendo tudo melhor declarar,
havendo em tal leitura menos falta em repetir, que, omitir um assunto que não
deveria faltar.”
“E porque presentemente, por graça de Deus, a virtude da
lealdade está outorgada em estes Reinos entre senhores e servidores, maridos e
mulheres, tão perfeitamente que outros não sei nem ouço que mais e melhor dela
usem, dos quais, pois Deus dessa boa graça me outorgou principal regimento (
trata-se, portanto, de uma longa missão
ungida pelo divino), me sinto muito obrigado de a sempre manter e guardar a
todos, e a vós mais, por obrigação de grandes razões e requerimento de minha
boa vontade.”
E concluo o muito citar, com o seu voto piedoso: “Prazer-me-ia
que os leitores deste tratado tivessem a maneira da abelha que, passando por
ramos e folhas, nas flores mais costuma de pousar, e dali tomam parte de seu
mantimento. E não tais como aqueles bichos que, nas coisas onde tomam a sua
subsistência, limpam tudo, nada ficando.”
E, termino, deixando-vos o seu olhar visionário do futuro:
Dos Soberbos
Sentem o contrário dos humildes os que continuadamente trazem
ante os olhos da sua memória como são bons em virtudes, de grande merecimento
ante deus, direitos servidores a seus senhores, de alta e grande linhagem, engenho
e sabedoria, tendo boa prosa acerca dos amigos e servidores.
Dos Invejosos
Da inveja vem desagrado das superioridades ou igualanças que
vemos nos outros quando os comparamos connosco, e contentamento pelos seus
males, perdas e abatimentos. E isto mesmo se toma por ver nos outros a soberba
e vanglória, enumeração das virtudes, e artes de mal fazer.
Da Guerra contra os Mouros…( o leitor tem a liberdade de atualizar a lista)
A guerra dos mouros tenhamos que é bem de fazer, pois que a
santa igreja assim o determina, e não dá lugar a fraqueza do coração que não
haja escrúpulos quando os não se deve ter. E sobre ela eu vi fazer uma questão
que por eles se dizia ser feita desta forma.
Do Humor Melancólico
Por quanto sei que muitos foram, são, e serão tocados deste
pecado de tristeza que procede vontade desconcentrada, que ao presente chamam
em mais dos casos doença de humor melancólico, do qual dizem os médicos que vem
de muitas maneiras por fundamentos e sentimentos desvairados, - mais de três
anos (um número controverso da transcrição do latim, alguns autores dizem ser 9
anos) pois já mais seguidos muito dele padeci, e por especial graça de nosso
senhor deus me pôs de perfeita saúde.
…/…
E eis que finalmente me contenho, em tanto transcrever, seguindo dois
dos conselhos principais:
Da Arte de Ler
Não leias muito de uma só vez…E isto para entenderes melhor o
que lerdes, para o recordares durante mais tempo e para te enfadares menos dele.
Vantagens Sociais da Arte de Cavalgar
Destas artes aqui descritas, que a cavalo se costumam fazer,
escrevi assim largamente por algum costume e grande afeição que delas houve, e
bem assim das outras artes de força, agilidade e uso de armas de arremesso, que
os cavaleiros e escudeiros nesta terra muito avantajadamente sabiam e usavam de
fazer.
Nesse tempo remoto, as armas de arremesso não eram a crise
ambiental, o reascender da guerra, a pobreza extrema e a pobreza mesmo entre os
trabalhadores, a concentração da riqueza nos fundos abutre, o abandono do mundo
rural, a corrupção dos partidos democráticos e o nascimento no seu berço das
sementes do ódio extremista… a alienação, pela comunicação e pelas redes sociais.
E foi assim que chegámos ao presente, cegos, quase cegos, todos, quase todos, como escreveria, José Saramago e já antes dele, Alexandre O’Neil.
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