O abandono do Mundo Rural e da Regionalização
“O debate político está
reduzido, na notícia e no comentário, à funalização das eleições. Como se não
houvesse programas eleitorais e estes não expressassem os interesses de classes
e grupos sociais.
A fulanização do debate político e das eleições, é uma das formas modernas de alienação política.”
Francisco Caldeira Cabral, o pai da arquitetura paisagista em Portugal, escreveu há quase sessenta anos, na altura em que foi eleito presidente da Federação Internacional de Arquitetos Paisagistas, estas palavras proféticas:
É tempo de afirmar que se a cidade é indispensável à organização da sociedade e ao progresso da humanidade, se a indústria muito tem contribuído para facilitar a vida e lhe dar conforto, é da paisagem rural que depende a sobrevivência da humanidade, porque é ela com o mar, a única fonte de alimentos, a única fonte de água potável, e o último suporte de atividade biológica autónoma e equilibrada, indispensável à continuação da vida na terra. Por isso a atividade da Sociedade Rural é a única que continua a ser obrigatória, sendo todas as outras facultativas, quer a sociedade urbana-industrial se aperceba ou não desse facto.
No debate
televisivo, que animou a pré-campanha das candidaturas, desfila a lista de
carências que são comuns às cidades litorais e do interior do país, mas os
concelhos, vilas e aldeias. que estruturam o mundo rural foram excluídas do
debate político…por “critérios jornalísticas”, dizem as redações: de facto,
porque o tempo do mais importante meio de comunicação social está reservado
para a propaganda comercial e partidária, e é um negócio, não um bem comum.
O discurso
do primeiro-ministro, que apontava a proximidade do mercado espanhol como uma
vantagem para os empresários do interior e a interioridade de Madrid como um
fator irrelevante para o seu desenvolvimento, mostra que conhece mal a história
peninsular e menospreza a dimensão da
crise social e ambiental que a agonia do mundo rural traz consigo: a devastação
de eucaliptais, pinhais e matos, provocada pelos incêndios e agravados pela
instabilidade climática, a progressiva improdutividade dos solos agrícolas
industrializados e salgados pelas monoculturas, o avanço do deserto, a
sul, o desaparecimento das florestas
endógenas e prados de montanha, sumidouros de carbono, a redução e poluição dos lençóis de água potável, o ermamento…, não são notícia nem tema para
debate autárquico, mesmo dos que mais sofrem e sofrerão ainda mais com essa
tragédia. A vaga promessa da criação de 25.000
postos de trabalho, não chega, pouco vale para conter o desaparecimento
dos camponeses, a sangria da emigração e o crepúsculo da baixa natalidade.
O governo e o seu líder, evocam Madrid, mas não tiram do seu historial as lições que permitiram transformar a atalaia moirisca na capital do reino da Espanha. Madrid ganhou foral de município no início do séc. XIII e no séc. XIV estatuto autonómico, em que só os regedores locais governavam. No séc. XVI, passou a ser uma vila de apoio aos coutos de caça da realeza, onde temporariamente assentava arraial. Filipe II de Espanha e I de Portugal, instalou ali a sua corte, recentrando a geografia do poder real sob todas as nações da antiga Hispânia. Mas Madrid tinha-se tornado num local escuro, triste, sujo, doentio e pestilento: a construção do seu Alcazar Real e depois dos seus Palácios e Jardins modelados por Versalhes elevaram-na à condição de cidade real europeia, mais tarde, centro industrial e da rede dos caminhos de ferro que trouxeram consigo a idade moderna. E na Espanha democrática, tornou-se uma Região Autónoma entre as autonomias.
Tiremos nós as lições:
Autonomia, sustentada com todos os
recursos políticos e económicos necessários.
O plano de desenvolvimento
traçado e suportado pelo poder central, participado, mas não cometido aos
locais.
O comboio, que regressa agora por
razões ambientais, como motor do progresso, mas que numa nova era tecnológica carece da companhia dos aeroportos
internacionais de proximidade às Regiões. O mercado já não é Espanha, mas a
União Europeia e mais longe. E o espaço, é espaço-tempo de menos de uma hora,
entre o aeroporto e o destino.
Autonomia, com o fracasso das políticas de desenvolvimento do interior do país no que respeita ao mundo rural, que agoniza, mas ainda pode renascer, hoje e face aos desafios do futuro, não quer dizer apenas reforço da descentralização e da municipalização, mas também regionalização.
As
Regiões Plano
Estratégia para aprofundar a democracia política e promover o desenvolvimento harmonioso e sustentável do país
Aparentemente,
nem um só candidato às eleições autárquicas associou o seu programa eleitoral de
combate ao subdesenvolvimento e pelo progresso sustentável, à estratégia de
criação das Regiões. A exceção foi o discurso do líder do PCP em Viana de
Castelo, porventura noutros locais, mas a comunicação social é hostil à CDU e o
programa daquele partido não passa para a sociedade.
Um clamor
violento de sofismas antirregionalização ecoa ainda na nossa consciência
coletiva e nos meios de comunicação e redes sociais: A regionalização criaria mais
uma camada de burocratas gastadores. Não é possível estabelecer critérios para
definir a geografia regional. A criação de novos órgãos de representação
democrática seria uma duplicação que
iria retirar poder às autarquias…
Associar a regionalização a uma estratégia para aprofundar a democracia política e promover o desenvolvimento harmonioso e sustentável do país, através da criação das Regiões Plano, pode evitar e ultrapassar esses riscos, com base em 8 princípios:
1. _ A
criação das Regiões é um imperativo constitucional, há demasiado tempo adiado.
A responsabilidade, partilhada, pela sua concretização, pertence ao Presidente
da República e ao Governo da República e à Assembleia da República, que dela
emana.
2. _ O
consenso estabelecido em torno da constituição das entidades regionais de
turismo, resolveu o problema da geografia das regiões.
3. _ A
história da democracia e do municipalismo nacional conferem à Regionalização em
Portugal uma natureza específica, que torna imperativo que a estrutura legal da
Região seja original, com características portuguesas: os municípios devem
estar diretamente representados, pelos seus presidentes, na sua Câmara Alta, ou
Senado Regional, enquanto a Câmara Baixa, ou Assembleia Regional, deve ser
eleita diretamente por todos os cidadãos eleitores, a partir de uma lista nominal
de candidatos.
4. _ O
Presidente do Governo Regional e os seus Secretários políticos, serão eleitos
por maioria simples na Assembleia Regional.
5. : O
Senado Regional terá poder de aprovação e veto sobre o Orçamento e Plano de
Desenvolvimento Regional, proposto pelo Governo à Assembleia Regional.
6. _ Os
membros do Senado não serão remunerados, por desnecessário, já que possuem
vencimento e ajudas de custo próprias do exercício do seu mandato municipal.
7. _ Os
membros do Governo Regional poderão optar por receber um vencimento em
exclusividade que não pode exceder o salário médio regional, ou manter a sua
atividade profissional, devendo ser criado um Código de Érica que proíba
conflitos de interesses e incompatibilidades. Os membros das Assembleias
Regionais terão apenas direito às ajudas de custo equivalentes ao exercício de
funções de representação, ao nível das Assembleias Municipais.
8. _ O
Governo da República assegura o orçamento autónomo através do orçamento
nacional e das fontes em uso na gestão pública, tal é o caso dos fundos
comunitários.
_ Os custos de lançamento deste projeto devem ser estruturados, ao longo dos anos, numa verba prevista pelo PRR - Plano de Recuperação e Resiliência.
A fulanização das eleições, é uma forma de alienação política
Em meados do século passado, os
antropólogos portugueses deram um
contributo essencial no congresso mundial desta ciência, para a sua transformação
numa ciência que investiga e estuda não apenas as culturas primitivas mas o
devir da cultura humana nas sociedades modernas.
Num trabalho intitulado A Etnografia como Ciência, Jorge Dias equaciona
os riscos de rotura cultural e do desaparecimento do património do mundo rural
face à predominância na cultura contemporânea do elemento dinâmico, como
produto da revolução técnico-científica e da comunicação, em paralelo com uma
atitude de menosprezo "pelas formas de visa rústica" das elites dos
países essencialmente agrícolas.
Este verniz urbano, que nos
últimos decénios conduziu as elites políticas a disfarçar a sua ascendência
rural, foi finalmente estalado pela proliferação dos danos ambientais e pandemias nos espaços urbanos e o elevar da
consciência ambiental nas novas gerações.
Mas tal acontece, provavelmente
tarde demais: a maioria dos autores e interpretes da chamada “música popular”, promovidos na TV e na rádio, desconhecem
a nossa verdadeira tradição musical, que Giacometti e Lopes Graça. Zeca Afonso
e Amália, Vitorino de Almeida e outros, salvaram do esquecimento e valorizaram; aqueles compositores e
interpretes romperam com ela, com a aprovação das administrações televisivas. A
Assembleia da República tem as suas comissões da agricultura e do ambiente, mas
já não distingue o verde da floresta multissecular e bio diversa, das
monoculturas industriais sinistramente silenciosas e cobertas pelo verde
estéril dos fetos. Os presidentes da câmara mudam as suas residências
familiares para a cidade universitária para onde partirão os filhos. Os quadros, empregados e trabalhadores deixam ruir as residências dos avós, enquanto o mato
invade os quintais e belgas e trocam as casas de pedra dos país pela caixa de
cimento armado da cidade mais próxima.
Primeiro fecharam as escolas
primárias. Depois os postos médicos e os lares nas freguesias. Mas ninguém se
importou com isso no Terreiro do Paço e nas Comissões de Coordenação Regionais,
aliás, sem poder suficiente para suster cada ciclo de derrocadas. Depois
fecharam bancos, consultórios de advogados e médicos. Os centros comerciais
chegaram a cada sede de concelho, e fecharam mais lojas do comércio local.
Entretanto, as grandes empresas da celulose vieram em força, compraram terrenos
baratos, alugaram os que quiseram, colocaram entre si e os pequenos
proprietários uma nova classe de empreiteiros, e impuseram a todos os seus
preços, tal como fizeram outras, vendedoras de paletes…concentraram a propriedade
e criaram um cartel tão vasto como nunca existira no país.
Os excursionistas estrangeiros,
de passagem pelas regiões rurais, foram confundidos com turistas, mas à noite continuaram
a regressar às cidades e às regiões destino onde o seu avião aterrou..
Foi então que cresceram os
incêndios trágicos, e os seus ciclos de destruição e morte, prevalecendo o mito
de que tudo seria resolvido com a limpeza e boa gestão de eucaliptais e
pinhais…eucaliptais das celuloses que arderam também, e em grande, se o termo
de comparação for feito entre plantações de eucaliptos sob sua gestão e as outras,
e não usando a comparação falaciosa com
as áreas globais ardidas, matos, maioritariamente.
E vieram os empresários e
empresas estrangeiras para comprar quintas no Douro, constituir novos latifúndios
no Alentejo, consumindo hoje o solo e a água que faltará manhã, talvez em menos
tempo do que uma geração. E contrataram novos proletários rurais, vindos dos
confins da Ásia, não só a Sul…E vieram pequenos grupos de estrangeiros, por sua
conta, sem qualquer programa de apoio e incentivo à sua imigração cultural e
profissional.
Esta agonia, este progresso
efémero_ à luz do tempo histórico e não da espuma dos dias, cria emprego e
rendimentos, para os homens e mulheres que continuam a viver no mundo rural e
não têm outra escolha.
Gritos esporádicos de denúncia e
proclamações de reformas radicais, ascendem-se na ribalta política e televisiva
das cidades, mas duram o tempo de um fósforo!
Pergunto-me de novo: porque razão
a regionalização só emergiu no discurso autárquico do PCP? E com que peso, nas
suas alternativas? Nunca o saberemos: a vida económica, política e social da
nação, não vem nos jornais, televisões e redes sociais.
O debate político está reduzido,
na notícia e no comentário, à fulanização das eleições. Como se não houvesse
programas eleitorais e estes não expressassem os interesses de classes e grupos
sociais.
A fulanização do debate político
e das eleições, é uma das formas modernas de alienação política.
3 comentários:
Gostei
Uma reflexão interessante. já agora, é de corrigir a fulanização... de fulano, penso eu...
Correto
Enviar um comentário