5.7.20

TAP E EFACEC, dois discursos ideológicos e políticos contraditórios




A economia, como falácia

Desconheço  o conceito de “economia”, como ciência. É um conceito inventado durante a atual etapa da globalização, para substituir o conceito científico de “Economia Política.” Esta, pertence ao domínio das Ciências Sociais e Políticas e tem entre os seus fundadores e renovadores, a ocidente,  as obras de Adam Smith, David Ricardo, Karl Marx, John Keynes... Aquela, a economia, colocada fora do quadro das Ciências Sociais e Políticas, é um conceito de propaganda, ao serviço dos teóricos do neoliberalismo e do fim da história, de Milton Friedman e George Stigler, a Francis Fukuyama.


A economia política estuda e investiga o processo de criação, reprodução e distribuição, do capital e o papel que nesse processo complexo desempenham as diferentes classes e grupos sociais, e os regimes políticos que a história das comunidades humanas faz nascer, destrói e renova.

O discurso dogmático

No mesmo dia, destes tempos de crise, ouvimos os mesmos especialistas e responsáveis pela economia e pela política, lançar uma anátema sobre a possibilidade de a TAP ser privatizada e aplaudir a nacionalização da Efacec!

Ouvimo-los, classificar a tomada pelo  Governo de Portugal do controle de 72,5% do capital da TAP, como uma não nacionalização. E classificar a decisão do  Governo em comprar a posição de 71,3% que Isabel dos Santos tem na Efacec, como uma nacionalização. Na TAP, mantém-se um acionista privado e na Efacec, outros dois, com um peso reativo semelhante, que ronda os 25%..

A eminente falência técnica, a defesa dos postos de trabalho e a importância estratégica das duas empresas, justificaram as decisões tomadas, sendo que na TAP se vão contratar gestores privados e na Efacec se mantém a gestão anterior, e se quer caminhar depressa para a reprivatização. Anote-se, para não nos desviarmos do tema, que o impacto económico da TAP para a economia nacional só foi objeto de estudo por uma única tese de mestrado, e as suas sucessivas administrações, tal como os responsáveis políticos e comentaristas, servem-se de dados empíricos colhidos de forma avulsa para justificar as suas próprias ideias. No caso da Efacec, temos apenas dados empíricos avulsos.

Eis um dos resultados das aplicação a Portugal do dogma do estado mínimo, o desmantelamento das equipas científicas e técnicas, com extensão aos estudos superiores, que assessoravam e integravam a ação dos diferentes ministérios, que agora seguem a moda dos serviços de “outsorcing” e fazem figura de cosmopolitas com concursos internacionais, que não substituem a falta de quadros superiores com motivação e ética de serviço público.

A dominância do ideário neoliberal inclui o sacrifício da ideia de pátria, da ética do amor á pátria e à nação, porque prevalecem os interesses dos acionistas e conduz, em nome destes interesses, à amoralidade ( tudo é permitido, pelo lucro e o aumento de dividendos). É por aqui que penetra de novo a ideologia do populismo autoritário e chauvinista, que cresceu no Leste europeu, dentro da própria União Europeia, na Itália e na Áustria, na vizinha Espanha, na França e na grande Alemanha, na Inglaterra do Brexit e que nos EUA saiu vitorioso com a candidatura de Trump á presidência.

O mundo já mudara, antes do início da pandemia, a “inteligência” portuguesa é que continua a pensar como no velho mundo!

Regressemos ao caso TAP/Efacec. Algumas diferenças existem, do lado dos acionistas que abandonam as duas empresas: Isabel dos Santos, caída em desgraça política e com a sua quota na Efacec arrestadas pela justiça portuguesa e angolana , nada recebe, só o grupo de bancos sedeados em Portugal que lhe emprestaram 110 milhões de euros, garantidos com estas ações, esperam ser compensados após a sua venda. Na TAP, o acionista estrangeiro leva consigo 55 milhões de euros, em troca de 22,5% das ações que possuía, direta ou indiretamente.

Os comentadores e políticos que nos dizem que a nacionalização é hoje uma questão de princípio que jamais pode ser adotada por um governo democrático, porque os estados “não têm vocação para gerir empresas” e tal medida “afastaria de Portugal os investidores privados”, troçam da nossa falta de literacia em economia política e abusam da sua posição na comunicação social para fazer passar sem contraditório o seu dogma: mas o que dizem não corresponde à realidade e a contradição no seu discurso é evidente, perante o caso TAP-Efacec..  

Em primeiro lugar, face á realidade do país, onde o que vale para a Efacec não vale para a TAP.

Em segundo lugar, ao confundirem deliberadamente nacionalização através de compra, das ações privadas, por acordo negociado,  com a nacionalização acompanhada de expropriação compulsiva. O acionista estrangeiro da TAP, se o governo deixasse falir a empresa e recomeçasse posteriormente a sua atividade, com outro nome, receberia zero, porque a conduziu para uma situação deficitária que é anterior à crise do COVID-19. Por tal razão, se o governo nacionalizasse pagando-lhe os tais 55 milhões, ou ainda menos, seria ainda um grande negócio para o mau gestor e  transmitiria confiança aos futuros investidores (os bons e os maus).

Em terceiro lugar, seja nos EUA ou na China, seja nos estados que constituem o Estado Federal da Alemanha, os respetivos governos gerem e geralmente bem, as empresas mais poderosas, em setores estratégicos. Na China, uma centena de grandes empresas estatais constituem a espinha dorsal da sua economia socialista de mercado e asseguram ao setor privado, já dominante na produção de bens e serviços, economias de escala e o funcionamento equilibrado do mercado. Estas empresas estatais, têm o seu capital aberto à participação minoritária de pequenos acionistas familiares e de outros investidores privados de dimensão empresarial  Nos EUA, o complexo militar industrial, representa uma monstruosa presença do estado na atividade económica de ponta, onde os grandes conglomerados financeiros e empresariais utilizam a militarização da economia para financiar a inovação, garantir a compra dos seus produtos de maior valor acrescentado e conquistar os mercados, a qualquer preço, incluindo a guerra económica (o boicote), a subversão dos regimes e a intervenção militar direta. E na Alemanha, as empresas dos estados federais,  que funcionam a este nível e produzem para o mercado, ou funcionam em paralelo com as suas congéneres privadas, têm o seu financiamento e as suas dívidas fora da contabilidade dos regulamentos de Maastricht, privilégio que o governo federal conseguiu impor aos seus parceiros comunitários e que, se lhe fosse retirado, faria da dívida soberana da Alemanha, a maior da Europa!

Num quadro de crise económica e financeira, que já lavrava na Alemanha e na União Europeia antes da pandemia_ recordo que em 2019 este país ficou à beira da recessão, e em que, depois da ausência total de qualquer ato de solidariedade promovido pela Comissão Europeia,   se prolongam as manifestações de egoísmo nacionalista_ veja-se a exclusão de Portugal da lista de destinos seguros pela Inglaterra, porque quer limitar a saída de divisas para o nosso país através do turismo,  a predominância de um discurso dogmático e alienante, confuso e contraditório, sobre o funcionamento da economia política, irá conduzir inexoravelmente a uma mais profunda divisão nacional.

Não fechem um futuro comum para o povo português, para a Europa Comunitária  e para Humanidade

A generalização das medidas de reestruturação empresarial assente em desemprego massivo, em curso na União Europeia e nas democracias liberais ( e apenas nestes regimes), não resolverá nenhum dos problemas estruturais que estão a provocar crises económicas e financeiras cada vez em ciclo temporal mais curto e mais violento e, agora, sob o efeito direto de causas ambientais:

Aos fenómenos de aquecimento global, por hora remetidos para o esquecimento perante a dimensão trágica da pandemia, somem-se desde há mais de 50 anos, a proliferação dos vírus. Desde o vírus Influenza A subtipo H3N2, proveniente da então colónia britânica de Hong Kong (1968), ao HIV Sida, que proliferou nos EUA (1985) e depois se propagou pelo planeta. Em 2003, foi a vez da China, com uma nova doença respiratória denominada SARS, causada por um coronavírus parente do atual. o SARS-CoV-2 e depois outro do SARS H1N1 que veio do México e dos EUA (2009/2010) e diversas e ameaçadores variantes dos COVID, que surgiram por todo o mundo.

Mas pela primeira vez, e graças à política de abertura e solidariedade internacional para enfrentar o novo COVID-19, em que se empenhou a China e a Organização  Mundial de Saúde, o mundo tem consciência de um ciclo ameaçador que, na gripe das aves de 1968, custou mais de 1 milhão de mortes, com a SIDA já ceifou 35 milhões de seres humanos e por ação do SARS terá provocado um número entre 600.000 e 1.200.000 falecidos,  sem que se tenham tomado as medidas necessárias para conter a sua propagação. A comunicação social, tal como as redes sociais, foram nessas alturas silenciadas e, durante longos anos, inquinadas pela proliferação de notícias falsas ( recordo todos os preconceitos que foram disseminados, contra diversos grupos sociais, a propósito da SIDA e do preço que se pagou por essa campanha de difamação e de racismo social, nomeadamente, entre aqueles que acreditaram nas suas próprias mentiras).

A China, assumiu perante o mundo a responsabilidade de proteger a vida dos seus cidadãos e da humanidade, ao custo de gigantescas perdas económicas e do esforço nacional do seu povo, sob orientação do governo e da Organização Mundial de Saúde.

Estes são os factos que é possível documentar e provar, no meio de uma maré suja de notícias falsas e campanhas de contra informação, que visam proteger as oligarquias que ainda governam a maior do mundo e das nações, e possuem o poder de  virar a realidade às avessas.

A falta de acordo entre os países da União Europeia, acerca do modo de financiar a economia, com empréstimos  ou através de fundos comuns, conduzirá a dois caminhos opostos: os fundos financeiros abutres, mais ainda do que os grandes bancos a que fazem concorrência desleal, irão de novo recuperar da sua crise crónica, que resulta da inflação pelo cartel financeiro (refiro-me aos 17 maiores bancos, já investigados e multados pelos procuradores americanos, ingleses e alemães),  dos chamados “produtos derivados”. E o capital financeiro, que agora  (não)  era remunerado com juros negativos, tornará ainda mais ricos os 20% de grandes e pequenos  investidores, alimentando nos outros 80% que perdem dinheiro, a ilusão do capitalismo popular.

A dívida soberana crescerá e irá esgotar as últimas reservas financeiras dos países, como o nosso, que ainda não pararam de sangrar a sua riqueza para o estrangeiro ( os juros impostos politicamente pela Troika nunca foram reduzidos aos valores reais do mercado) e onde já não existem investidores de referência para adquirir empresas com dimensão nacional ou o que restará delas, sejam públicas ou privadas.

A política e a gestão da informação, sem princípios

Há sinais preocupantes, no nosso país, de oportunismo e ambição política, que escorre não apenas da oposição mas também das cadeiras do poder. Em paralelo, insistimos, com a propaganda de dogmas que já fracassaram nos próprios países que os viram nascer e ganhar crédito efémero, face ao devir da história. Refiro-me, como exemplo, à América Latina, que foi palco, no último meio século, da aplicação brutal das receitas neoliberais, o Chile da ditadura militar como a primeira cobaia, e se debate com uma miséria endémica das suas populações, vagas sucessivas de empréstimos do FMI acompanhadas de privatizações e desemprego, políticas impostas por regimes saídos de golpes e intervenções militares externas, num ciclo de pobreza e violência, que mudou a natureza da guerra, pois dentro dos países mais atingidos,  criaram-se cartéis de criminosos armados capazes de desafiar a autoridade do próprio estado…

Políticas neoliberais que levaram, na Europa, à derrocada do chamado milagre Irlandês e, antes dele, da Finlândia e atingiram o coração da própria Alemanha, que não conseguiu desenvolver os estados anexados após a queda da RDA… e alastrou pelas repúblicas do Leste, onde, a partir da tomada do estado, se constituíram  novas oligarquias e a democracia liberal foi sendo mutilada nos seus direitos fundamentais…

Crise da economia desregulada que não poupou os chamados gigantes asiáticos e estagnou o desenvolvimento de países como a Coreia e o Japão…e poderia continuar por um enorme rol de casos nacionais, de que a recente política de austeridade da Troika, foi na Europa o maior flagelo para os países dependentes, como o nosso.

A pandemia revelou a desumanização das nossas cidades (ermas de habitantes e pejadas de turistas ocasionais) e dos lares de idosos, a impossibilidade de destruir o Serviço Nacional de Saúde e, sobreviver como nação, e o apagão dos grupos hospitalares privados,  as falhas de salubridade de empresas e bairros (públicas e privadas), a resiliência da paisagem rural humanizada, ou o que dela ainda resiste, a carência de transportes públicos sustentáveis, a nível nacional e internacional,  a falência da atual  União Europeia como projeto de união, solidariedade e prosperidade partilhadas em comum pelas  suas nações!

E não a incompetência dos responsáveis e dos profissionais de saúde. Se formos por aí, deixaremos por resolver os verdadeiros problemas e nunca faremos as reformas democráticas inadiáveis, que as pseudo reformas liberais só agravaram e adiaram.

Em paralelo,  é já  notória a corrida, na comunicação social e entre os seus comentaristas políticos, á dramatização, à fulanização da denúncia e da culpa (“ Os números oficiais não são fiáveis!” “Os portugueses querem saber, de quem é a culpa!” “O governo falhou!” “ A nossa diplomacia falhou!”, “O SNS falhou!”, “Apurem-se responsabilidades. A culpa não pode morrer solteira!”. Demita-se!”. “Eu já tinha avisado. Agora, quero a cabeça dos responsáveis”…o velho discurso das nossas elites dominantes, quando não estão no poder, que procuram sempre nos seus concorrentes, no país e no seu povo, a origem de todos os males e  que, no combate de vida ou de morte contra  a pandemia,  vai deixando um rasto sombrio de confusão e descrença nas autoridades de saúde, desde a DGS até à OMS.

Não apenas por interesses políticos e ideológicos que comandam a contrainformação, mas  também por calculismo primário de como fazer negócio nesta área: à falta de incêndios trágicos para cercar os espetadores e vitórias futebolísticas para os amarrar à cadeira, recorre-se ao espetáculo da tragédia e em complemento, à interpretação da política como o resultado do carater e das decisões dos indivíduos que a protagonizam.   Então, anestesiada a consciência crítica dos cidadãos, transformados em espetadores, podem fazê-los consumir os intermináveis anúncios e programas de entretenimento vazio, que parecem não chegar afinal, para evitar os resultados negativos dos grupos privados de comunicação.

Numa guerra, ao contrário do que propalam os falsos libertários que pregam que tudo deve ser vendido como produto televisivo ou dever político de oposição, o fogo amigo, é tão perigoso como o fogo inimigo.

E se este é agora esporádico e está confinado a uma região, aquele, ainda não parou de crescer!

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