11.4.17

Os Indignados (da Banca)

5  Perguntas de um iletrado em Direito







“Por falta de provas, o Ministério Público arquivou o inquérito aos negócios que envolviam Dias Loureiro e Oliveira e Costa. Ainda assim, no despacho de arquivamento, a investigação admite ter dúvidas sobre se não houve mesmo pagamento de luvas ao antigo governante do PSD na compra de empresas estrangeiras, em nome do grupo do BPN. Dias Loureiro está indignado com a insinuação.” (RTP, Notícias)

 

1. Já poucos se lembram das declarações de Dias Loureiro à Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o BPN em 2009, mas o Expresso de  11.05.2009, publicou um artigo do seu  Diretor, H.M.,. titulado “A mentira de Dias Loureiro”, onde reafirma e desculpa essa falta: “Conheço Dias Loureiro, e, acho-o um homem muito simpático e encantador. Quero crer que o que fez terá sido sem consciência de estar a prejudicar alguém.”

Prossegue o jornalista : «Loureiro começou por contar que teve apenas uma participação muito ténue num negócio ruinoso em Porto Rico: "Quanto ao negócio em si não tive nada a ver com ele" - disse. Mas esta semana, três meses depois de o Expresso ter feito referência aos documentos que o envolvem, o conselheiro de Estado reformulou totalmente a sua participação. Desta vez, confirmou o que já era óbvio e estava provado: que teve intervenção no início do negócio e que participou no seu desfecho. Quanto ao resto, diz agora que assinou de cruz.»

E mais adiante: “…quando Dias Loureiro se afirma indignado com as acusações de ter mentido, devia ter um pouco mais de humildade…A menos, também, que se acredite que ele assina de cruz papéis que valem cerca de 70 milhões de dólares.”

Estamos em presença do mesmo negócio que suscitou no Despacho de Arquivamento da procuradora a suspeição de corrução e no jornalista do Expresso a denúncia da mentira.

A indignação do suspeito de receber luvas e do acusado de mentira tem pois a mesma origem; a diferença parece residir no fato do jornalista poder provar a mentira através da denúncia das contradições entre dois depoimentos à Comissão Parlamentar, antes e depois dos documentos divulgados pelo Expresso, e sem outro dano para o prevaricador que a censura moral; enquanto para a procuradora e o sistema judicial não bastam as evidências dos factos, mas são necessárias provas jurídicas!

Se as evidências jornalísticas de denegação de factos e mentiras associadas, e as provas judiciais não são a mesma coisa, o artigo do jornal é legítimo mas o despacho público não o é?

 

2.” É uma coisa inconcebível. Isto para quem estudou Direito como eu é uma aberração absoluta". (D.L., ao JN)

À procura de prova para a “aberração”, quem como eu não estudou Direito, fui consultar o portal oficial para saber  “O que é o (despacho de) arquivamento? O Ministério Público procede, por despacho, ao arquivamento do inquérito, logo que tiver recolhido prova bastante de se não ter verificado nenhum crime, de o arguido não o(s) ter praticado ou de ser legalmente inadmissível o procedimento.

O Ministério Público também determina o arquivamento do inquérito se não tiver sido possível obter indícios suficientes da verificação de crime ou de quem foram os seus autores.”

Daqui infiro, salvo melhor opinião, que a procuradora tem mesmo de justificar o despacho de arquivamento, que é a forma de se poder escrutinar o seu inquérito, isto é, “O inquérito compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a sua responsabilidade e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação.

A apresentação de uma queixa, caso contenha factos que integrem um crime, dá origem a um inquérito, o mesmo acontecendo com a apresentação pelas autoridades policiais ou pelo próprio Ministério Público de um auto de notícia. “.” (Portal do Ministério Público)

Disse ainda D.L.:. “Quem escreveu este despacho não vai ser avaliado!" Mas, já está a sê-lo!?

Se a procuradora não analisasse os “factos que integrem um crime” e “o conjunto de diligências” que o investigaram, falharia por omissão o seu dever.

Assim sendo, o que está em causa não é o princípio de “presunção de inocência”, respeitado no despacho de arquivamento, mas, ao contrário, se a procuradora se cingisse ao sim ou não do arquivamento, ficaria em causa a própria exigência legal de um despacho justificativo, aberto ao escrutínio público e ao propalado recurso para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

 

3. Na mesma linha de D.L. um coro de comentadores televisivos, da direita à esquerda, concluíram invocando a justiça e o direito: foram 8 longos e “demasiados anos sob suspeita”, onde “a procuradora não fez o seu trabalho de casa (sic)!?”

A Deutsche Welle, integrada na rede pública alemã e a 10ª maior empresa de radiofusão do mundo, noticiava que o Deutsche Bank, o maior banco alemão, entrou  em acordo com autoridades britânicas e americanas (23/04/2015)  e terá que pagar uma multa recorde de 2,5 bilhões de dólares (2,3 bilhões euros) para encerrar as investigações sobre envolvimento em manipulação da taxa interbancária Libor. A subsidiária britânica do Deutsche Bank declarou-se culpada pela fraude bancária. Além da multa, a entidade comprometeu-se a demitir sete de seus funcionários. A investigação envolveu as autoridades britânicas e americanas, e a Comissão Europeia, nomeadamente o Departamento de Serviços Financeiros de Nova York (DFS) e o Departamento de Justiça dos EUA, e a Comissão de Negociação de Futuros de Commodities da UE (CFTC).

No final de 2013, o Deutsche Bank já havia aceitado uma multa de 725 milhões de euros imposta pela Comissão Europeia. A Comissão Europeia aplicou coimas a diversas instituições financeiras acusadas de manipulação das taxas interbancárias na zona euro (Euribor), o City (Libor) e Japão (Tibor) em diferentes moedas entre 2005 e 2010, num total recorde de € 1.712.000.000. Taxas interbancárias são as taxas a que os bancos comerciais emprestam uns aos outros.

A taxa de juros do mercado de derivados depende da taxa de referência. Pelo que esta fraude afetou todo o mercado financeiro.

Entre os bancos envolvidos na manipulação das taxas Libor e Euribor, a Societe Generale, apenas envolvido na investigação da Euribor, foi condenado a uma multa de 446 milhões de euros. A britânica RBS establishment,  condenada em ambos os casos, sofreu uma multa de  € 391.000.000.

No caso das taxas do euro, o Barclays recebeu imunidade e não foi multado por ter revelado a existência do cartel à Comissão Europeia. Deutsche Bank, RBS e Société Générale tiveram as suas multas reduzidas em 10% por cooperar na investigação. Um procedimento de inquérito também foi aberto contra o Crédit Agricole, HSBC e JPMorgan.  e contra a corretora inglesa ICAP . O banco holandês Rabobank,  obteve acordos de liquidação para pagar € 774.000.000. O suíço UBS pagou em 2012 uma multa recorde de US $ 1,5 bilhões nos Estados Unidos e Grã-Bretanha…

Desta amostragem resultam claramente três evidências:

_ Apesar de envolverem as poderosas máquinas judiciais da União Europeia e dos EUA, os crimes cometidos só puderam ser investigados num período equivalente ao utilizado pela procuradora, de 2005 a 2013.

_ Estes crimes, de cartelização, mas também de burla, fraude fiscal, branqueamento de capitais, foram provados apenas porque um dos implicados, o Barclays, se tornou denunciante, beneficiando dos dispositivos legais ( que a nossa Procuradoria não dispõe) que premeiam a delação com imunidade. E, após a denúncia, pela auto confissão dos culpados.

_ Os altos Conselhos de Administração e acionistas ficaram isentos de culpa, e apenas foram sacrificados alguns peões, aliás, generosamente compensados pelos seus antigos mandantes.

Enfim: alguém julga verdadeiramente que uma procuradora portuguesa tem meios, recursos e apoio político internacional, para escrutinar os segredos dos paraísos fiscais, como os de Porto Rico?

 

A City londrina

 

4. E o que passa na Europa?

Olhemos de perto um dos paraísos fiscais europeus, a City em Londres. Sigamos a sua história no período homólogo, utilizando como fonte a revista Time, à procura dos exemplos de investigações rápidas e justas, e de regulações exemplares, que inspirem o sistema judicial português, conforme sugerem os seus críticos citados.

Em 1980 o governo conservador inglês legislou para que os seus bancos e sociedades financeiras se autorregulassem, à margem do estado e do direito ( como o fez o governo de Ronald Reagan, nos EUA).

 Os trabalhistas de Tony Blair, vitoriosos em 1997, mantiveram esta situação. Mas, já em 1991 o Bank of Credit and Commerce International, fundado por um financeiro paquistanês e presente em 70 países, colapsara deixando por cumprir 20 biliões de dólares em responsabilidades legais. Em 1995 o Baring Bank-Singapure, como resultado das práticas especulativas dirigidas por Nick Leeson, perdeu 1,4 biliões de dólares, provocando a falência do mais antigo banco de investimento britânico. Em 1996 foi a vez do Deutsche Morgan Grenfell, sob administração de Peter Young, acusado de ter feito “desaparecer” 341 milhões de dólares. Em 1999, um dos quadros do Credit Suisse First Boston, James Archer, membro do clube financeiro da elite londrina, The Flaming Ferraris, foi proibido de exercer a atividade bancária depois de ter tentado manipular o mercado Sueco através das ações do grupo Stora Enso. Em 2001, o banco Merril Lynch viu-se na contingência de despedir dois dos administradores de topo, acusados de favorecimentos de clientes em operações financeiras. Em 2002, o National Westminter Bank é acusado pela justiça americana de conspiração com o chefe da Enron’s Finance e de fraude, contra a própria Enron. Em 2008 o Credit Suisse Group, com o seu representante em Londres, David Higgs, abre um buraco de 2,8 biliões de dólares como resultado da sobrevalorização das famosas subprime-mortgage bonds, um dos denominados “produtos derivados” da famosa “bolha imobiliária”, e foi considerado culpado de enganar os investidores. No mesmo ano e envolvida na mesma burla, colapsou a maior seguradora do mundo, a AIG e o seu pilar londrino, de pés de barro, dirigido por Joe Cassano. Ainda em 2008 a falência do Lehman Brothers revelou a existência de um buraco na filial de Londres de 50 biliões de dólares de dívida. Em 2011, é a vez do UBS londrino e Kweku Adoboli serem acusados de falsificação de contas e fraude que fizeram “desaparecer” das contas daquele banco suíço perdas no valor de 2,3 biliões de dólares. Em 2012 o JP Morgan, a partir do seu escritório londrino dirigido por Bruno Iksil, reconhecia perdas que podiam chegar a 5 biliões de dólares, como resultado de operações de crédito de alto risco.

Foi então que o Barclays surgiu no centro do escândalo de manipulação das taxas LIBOR_ que regulam as transações financeiras: o seu presidente Bob Diamont ficou sob investigação judicial, o banco é multado  em 450 milhões de dólares  e a desconfiança sobre a manipulação, estende-se ao painel de 18 bancos ocidentais que a fixam em regime de autorregulação, desde o Bank of America , Bank of Tokio-Mitsubichi, USB, BNP Paribas, Deustche Bank…

Este é o rosto visível do mercado financeiro da City. Um percurso comum de sobrevalorização de ativos e obscuros produtos derivados, uma ambição desenfreada que conduz à irracionalidade, a práticas antissociais e antieconómicas, à corrupção política e à amoralidade, que colocou o mundo à beira do colapso em 2007/2008.

O que fizeram os governos depois disso para regular a atividade bancária e a submeter ao estado de direito? Nada. E os bancos, autorregularam-se e tornaram transparente a sua atividade? Afirmou o diretor do Banco de Portugal, que ela se tornou ainda mais obscura e labiríntica.

A Regulamentação não existe e é impossível no atual sistema de mercado global e não apenas por causa dos paraísos fiscais, que são a face visível do poder absoluto do capital financeiro. Nenhum estado controla o capital financeiro, que não só é volátil, materializando-se no tempo de um bip num novo mercado e abandonando à sua sorte o anterior, como é invisível. Não é um logro e uma impossibilidade a Regulamentação, sem uma reforma política (ou revolução)? Não será por isso que ninguém concretiza essa mitologia da nova regulamentação e as elites politicas perdem o controlo da rua que as aclamava?

A agonia do estado de direito

 

5. Porquê, o regresso à política?

Há no entanto uma enorme diferença entre a natureza da crise de 1929 e as crises financeiras atuais: é que na sua origem está a mudança de natureza do capital financeiro. Na década de 30 a fusão entre o capital bancário, industrial e comercial atingira um estádio superior, criando uma rivalidade mundial entre as potências da época, insuperável por meios pacíficos. No século XXI, o capital financeiro autonomizou-se da indústria, do comércio e dos serviços, incluindo a banca tradicional e, definitivamente, não tem pátria!

Assegurada politicamente a livre circulação de capitais, o advento da revolução técnico-científica e a emergência das redes informáticas mundiais trouxeram consigo não apenas a possibilidade de desmaterializar o capital mas também as próprias instituições bancárias. Capital, banca e investidores sacralizaram legislativamente o sigilo, tornavam-se agora invisíveis nas sociedades financeiras offshore.

A simplicidade e complexidade das redes digitais permitiu criar produtos financeiros de rótulo garantido mas com uma labiríntica estrutura, completamente desligada da atividade económica e fora de qualquer controle.

O modelo dos offshore ultrapassou o sonho do mais visionário usurário: um poder infinito e fulminante deslocando-se à velocidade da luz para o mercado e o produto/mercadoria onde o lucro imediato pode ser maior. O poder político impotente ou cúmplice, justificando a sua demissão e colaboracionismo em nome da concorrência desleal dos outros países.

Os especuladores financeiros não têm rosto, mas possuem uma dupla face: sem abandonar a sua cobertura, jogam também no plano legal

O capitalismo, ao contrário do que sonharam e escreveram os líderes históricos das revoluções socialistas vitoriosas, que se julgaram, eles também, insubstituíveis e identificaram o estado socialista com a sua própria figura, renasceu sempre mais forte das suas crises, porque a sua força motriz eram o capital produtivo e a dinâmica de expansão mundial; é certo, deixando atrás de si um rasto de destruição das forças produtivas e de guerra, mas chegando depois a um novo patamar de crescimento e prosperidade.

No nosso tempo a sua liderança está agora no capital financeiro especulativo, que dispõe de um incomensurável poder e ambição e tem força e influência suficientes para destruir a própria estrutura do estado moderno, a África como a sua maior vítima, o estado de direito colocado em perigo em todo o mundo.

 

Enfim, a comunicação social e os seus feitores de opinião, qualquer que seja o seu distinto propósito, convergem em que, num caso como este, ninguém deve ficar neutro, enquanto o ex-acusado, invocando a superioridade moral dos inocentes, destrata o seu antigo amigo e ex-presidente da república, e o atual, que foi também seu companheiro de partido “A proteção dos direitos fundamentais, passou alheio a todos os Presidentes da República até agora e está a passar alheio a este. Temos um Presidente que tem opinião sobre tudo menos sobre a questão dos direitos fundamentais do cidadão, o homem é que é o fim da política, isto passa-lhe também ao lado", criticou. Parte da culpa, diz, cabe também aos 'media', que acusa de conluio com a Justiça. Quem devia proteger-nos na sua atividade de investigação e guardar o segredo de justiça, não o faz", lamentou, apesar dos principais jornais do país terem publicado a sua diatribe e lhe ter sido concedido direito de antena nas TV…e faz tudo isto, como homem livre, estatuto que afinal lhe foi outorgado pela “maldita” procuradora!?

 

 

 

 

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