5 Perguntas
de um iletrado em Direito
“Por falta de provas, o
Ministério Público arquivou o inquérito aos negócios que envolviam Dias
Loureiro e Oliveira e Costa. Ainda assim, no despacho de arquivamento, a
investigação admite ter dúvidas sobre se não houve mesmo pagamento de luvas ao
antigo governante do PSD na compra de empresas estrangeiras, em nome do grupo
do BPN. Dias Loureiro está indignado com a insinuação.” (RTP, Notícias)
1. Já poucos se lembram das declarações
de Dias Loureiro à Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o BPN em 2009, mas o
Expresso de 11.05.2009, publicou um
artigo do seu Diretor, H.M.,. titulado “A
mentira de Dias Loureiro”, onde reafirma e desculpa essa falta: “Conheço Dias
Loureiro, e, acho-o um homem muito simpático e encantador. Quero crer que o que
fez terá sido sem consciência de estar a prejudicar alguém.”
Prossegue o jornalista : «Loureiro
começou por contar que teve apenas uma participação muito ténue num negócio
ruinoso em Porto Rico: "Quanto ao negócio em si não tive nada a ver com
ele" - disse. Mas esta semana, três meses depois de o Expresso ter feito
referência aos documentos que o envolvem, o conselheiro de Estado reformulou
totalmente a sua participação. Desta vez, confirmou o que já era óbvio e estava
provado: que teve intervenção no início do negócio e que participou no seu
desfecho. Quanto ao resto, diz agora que assinou de cruz.»
E mais adiante: “…quando Dias
Loureiro se afirma indignado com as acusações de ter mentido, devia ter um
pouco mais de humildade…A menos, também, que se acredite que ele assina de cruz
papéis que valem cerca de 70 milhões de dólares.”
Estamos em presença do mesmo negócio
que suscitou no Despacho de Arquivamento da procuradora a suspeição de corrução
e no jornalista do Expresso a denúncia da mentira.
A indignação do suspeito de receber
luvas e do acusado de mentira tem pois a mesma origem; a diferença parece
residir no fato do jornalista poder provar a mentira através da denúncia das
contradições entre dois depoimentos à Comissão Parlamentar, antes e depois dos
documentos divulgados pelo Expresso, e sem outro dano para o prevaricador que a
censura moral; enquanto para a procuradora e o sistema judicial não bastam as
evidências dos factos, mas são necessárias provas jurídicas!
Se as evidências jornalísticas de
denegação de factos e mentiras associadas, e as provas judiciais não são a
mesma coisa, o artigo do jornal é legítimo mas o despacho público não o é?
2.” É uma coisa inconcebível.
Isto para quem estudou Direito como eu é uma aberração absoluta". (D.L.,
ao JN)
À procura de prova para a
“aberração”, quem como eu não estudou Direito, fui consultar o portal oficial para
saber “O que é o (despacho de)
arquivamento? O Ministério Público procede, por despacho, ao arquivamento do
inquérito, logo que tiver recolhido prova bastante de se não ter verificado
nenhum crime, de o arguido não o(s) ter praticado ou de ser legalmente
inadmissível o procedimento.
O Ministério Público também
determina o arquivamento do inquérito se não tiver sido possível obter indícios
suficientes da verificação de crime ou de quem foram os seus autores.”
Daqui infiro, salvo melhor opinião,
que a procuradora tem mesmo de justificar o despacho de arquivamento, que é a
forma de se poder escrutinar o seu inquérito, isto é, “O inquérito compreende o
conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime,
determinar os seus agentes e a sua responsabilidade e descobrir e recolher as
provas, em ordem à decisão sobre a acusação.
A apresentação de uma queixa,
caso contenha factos que integrem um crime, dá origem a um inquérito, o mesmo
acontecendo com a apresentação pelas autoridades policiais ou pelo próprio
Ministério Público de um auto de notícia. “.” (Portal do Ministério Público)
Disse ainda D.L.:. “Quem escreveu
este despacho não vai ser avaliado!" Mas, já está a sê-lo!?
Se a procuradora não analisasse
os “factos que integrem um crime” e “o conjunto de diligências” que o
investigaram, falharia por omissão o seu dever.
Assim sendo, o que está em causa
não é o princípio de “presunção de inocência”, respeitado no despacho de
arquivamento, mas, ao contrário, se a procuradora se cingisse ao sim ou não do
arquivamento, ficaria em causa a própria exigência legal de um despacho
justificativo, aberto ao escrutínio público e ao propalado recurso para o Tribunal
Europeu dos Direitos do Homem.
3. Na mesma linha de D.L. um coro
de comentadores televisivos, da direita à esquerda, concluíram invocando a
justiça e o direito: foram 8 longos e “demasiados anos sob suspeita”, onde “a
procuradora não fez o seu trabalho de casa (sic)!?”
A Deutsche Welle, integrada na rede
pública alemã e a 10ª maior empresa de radiofusão do mundo, noticiava que o
Deutsche Bank, o maior banco alemão, entrou em acordo com autoridades britânicas e
americanas (23/04/2015) e terá que pagar
uma multa recorde de 2,5 bilhões de dólares (2,3 bilhões euros) para encerrar
as investigações sobre envolvimento em manipulação da taxa interbancária Libor.
A subsidiária britânica do Deutsche Bank declarou-se culpada pela fraude
bancária. Além da multa, a entidade comprometeu-se a demitir sete de seus
funcionários. A investigação envolveu as autoridades britânicas e americanas, e
a Comissão Europeia, nomeadamente o Departamento de Serviços Financeiros de
Nova York (DFS) e o Departamento de Justiça dos EUA, e a Comissão de Negociação
de Futuros de Commodities da UE (CFTC).
No final de 2013, o Deutsche Bank
já havia aceitado uma multa de 725 milhões de euros imposta pela Comissão
Europeia. A Comissão Europeia aplicou coimas a diversas instituições
financeiras acusadas de manipulação das taxas interbancárias na zona euro
(Euribor), o City (Libor) e Japão (Tibor) em diferentes moedas entre 2005 e
2010, num total recorde de € 1.712.000.000. Taxas interbancárias são as taxas a
que os bancos comerciais emprestam uns aos outros.
A taxa de juros do mercado de
derivados depende da taxa de referência. Pelo que esta fraude afetou todo o
mercado financeiro.
Entre os bancos envolvidos na
manipulação das taxas Libor e Euribor, a Societe Generale, apenas envolvido na
investigação da Euribor, foi condenado a uma multa de 446 milhões de euros. A britânica
RBS establishment, condenada em ambos os
casos, sofreu uma multa de €
391.000.000.
No caso das taxas do euro, o
Barclays recebeu imunidade e não foi multado por ter revelado a existência do
cartel à Comissão Europeia. Deutsche Bank, RBS e Société Générale tiveram as suas
multas reduzidas em 10% por cooperar na investigação. Um procedimento de inquérito
também foi aberto contra o Crédit Agricole, HSBC e JPMorgan. e contra a corretora inglesa ICAP . O banco
holandês Rabobank, obteve acordos de
liquidação para pagar € 774.000.000. O suíço UBS pagou em 2012 uma multa
recorde de US $ 1,5 bilhões nos Estados Unidos e Grã-Bretanha…
Desta amostragem resultam
claramente três evidências:
_ Apesar de envolverem as poderosas
máquinas judiciais da União Europeia e dos EUA, os crimes cometidos só puderam
ser investigados num período equivalente ao utilizado pela procuradora, de 2005
a 2013.
_ Estes crimes, de cartelização,
mas também de burla, fraude fiscal, branqueamento de capitais, foram provados apenas
porque um dos implicados, o Barclays, se tornou denunciante, beneficiando dos
dispositivos legais ( que a nossa Procuradoria não dispõe) que premeiam a delação
com imunidade. E, após a denúncia, pela auto confissão dos culpados.
_ Os altos Conselhos de
Administração e acionistas ficaram isentos de culpa, e apenas foram sacrificados
alguns peões, aliás, generosamente compensados pelos seus antigos mandantes.
Enfim: alguém julga
verdadeiramente que uma procuradora portuguesa tem meios, recursos e apoio político
internacional, para escrutinar os segredos dos paraísos fiscais, como os de
Porto Rico?
A City londrina
4. E o que passa na Europa?
Olhemos de perto um dos paraísos
fiscais europeus, a City em Londres. Sigamos a sua história no período homólogo,
utilizando como fonte a revista Time, à procura dos exemplos de investigações rápidas
e justas, e de regulações exemplares, que inspirem o sistema judicial português,
conforme sugerem os seus críticos citados.
Em 1980 o governo conservador
inglês legislou para que os seus bancos e sociedades financeiras se
autorregulassem, à margem do estado e do direito ( como o fez o governo de
Ronald Reagan, nos EUA).
Os trabalhistas de Tony Blair, vitoriosos em
1997, mantiveram esta situação. Mas, já em 1991 o Bank of Credit and Commerce
International, fundado por um financeiro paquistanês e presente em 70 países,
colapsara deixando por cumprir 20 biliões de dólares em responsabilidades legais.
Em 1995 o Baring Bank-Singapure, como resultado das práticas especulativas
dirigidas por Nick Leeson, perdeu 1,4 biliões de dólares, provocando a falência
do mais antigo banco de investimento britânico. Em 1996 foi a vez do Deutsche
Morgan Grenfell, sob administração de Peter Young, acusado de ter feito
“desaparecer” 341 milhões de dólares. Em 1999, um dos quadros do Credit Suisse
First Boston, James Archer, membro do clube financeiro da elite londrina, The
Flaming Ferraris, foi proibido de exercer a atividade bancária depois de ter
tentado manipular o mercado Sueco através das ações do grupo Stora Enso. Em
2001, o banco Merril Lynch viu-se na contingência de despedir dois dos
administradores de topo, acusados de favorecimentos de clientes em operações financeiras.
Em 2002, o National Westminter Bank é acusado pela justiça americana de
conspiração com o chefe da Enron’s Finance e de fraude, contra a própria Enron.
Em 2008 o Credit Suisse Group, com o seu representante em Londres, David Higgs,
abre um buraco de 2,8 biliões de dólares como resultado da sobrevalorização das
famosas subprime-mortgage bonds, um dos denominados “produtos derivados” da
famosa “bolha imobiliária”, e foi considerado culpado de enganar os
investidores. No mesmo ano e envolvida na mesma burla, colapsou a maior
seguradora do mundo, a AIG e o seu pilar londrino, de pés de barro, dirigido
por Joe Cassano. Ainda em 2008 a falência do Lehman Brothers revelou a
existência de um buraco na filial de Londres de 50 biliões de dólares de
dívida. Em 2011, é a vez do UBS londrino e Kweku Adoboli serem acusados de
falsificação de contas e fraude que fizeram “desaparecer” das contas daquele
banco suíço perdas no valor de 2,3 biliões de dólares. Em 2012 o JP Morgan, a
partir do seu escritório londrino dirigido por Bruno Iksil, reconhecia perdas
que podiam chegar a 5 biliões de dólares, como resultado de operações de
crédito de alto risco.
Foi então que o Barclays surgiu
no centro do escândalo de manipulação das taxas LIBOR_ que regulam as transações
financeiras: o seu presidente Bob Diamont ficou sob investigação judicial, o
banco é multado em 450 milhões de
dólares e a desconfiança sobre a
manipulação, estende-se ao painel de 18 bancos ocidentais que a fixam em regime
de autorregulação, desde o Bank of America , Bank of Tokio-Mitsubichi, USB, BNP
Paribas, Deustche Bank…
Este é o rosto visível do mercado
financeiro da City. Um percurso comum de sobrevalorização de ativos e obscuros
produtos derivados, uma ambição desenfreada que conduz à irracionalidade, a
práticas antissociais e antieconómicas, à corrupção política e à amoralidade,
que colocou o mundo à beira do colapso em 2007/2008.
O que fizeram os governos depois
disso para regular a atividade bancária e a submeter ao estado de direito?
Nada. E os bancos, autorregularam-se e tornaram transparente a sua atividade?
Afirmou o diretor do Banco de Portugal, que ela se tornou ainda mais obscura e
labiríntica.
A Regulamentação não existe e é
impossível no atual sistema de mercado global e não apenas por causa dos
paraísos fiscais, que são a face visível do poder absoluto do capital
financeiro. Nenhum estado controla o capital financeiro, que não só é volátil,
materializando-se no tempo de um bip num novo mercado e abandonando à sua sorte
o anterior, como é invisível. Não é um logro e uma impossibilidade a
Regulamentação, sem uma reforma política (ou revolução)? Não será por isso que
ninguém concretiza essa mitologia da nova regulamentação e as elites politicas
perdem o controlo da rua que as aclamava?
A agonia do estado de direito
5. Porquê, o regresso à política?
Há no entanto uma enorme
diferença entre a natureza da crise de 1929 e as crises financeiras atuais: é
que na sua origem está a mudança de natureza do capital financeiro. Na década
de 30 a fusão entre o capital bancário, industrial e comercial atingira um
estádio superior, criando uma rivalidade mundial entre as potências da época, insuperável
por meios pacíficos. No século XXI, o capital financeiro autonomizou-se da
indústria, do comércio e dos serviços, incluindo a banca tradicional e,
definitivamente, não tem pátria!
Assegurada politicamente a livre
circulação de capitais, o advento da revolução técnico-científica e a
emergência das redes informáticas mundiais trouxeram consigo não apenas a
possibilidade de desmaterializar o capital mas também as próprias instituições
bancárias. Capital, banca e investidores sacralizaram legislativamente o sigilo,
tornavam-se agora invisíveis nas sociedades financeiras offshore.
A simplicidade e complexidade das
redes digitais permitiu criar produtos financeiros de rótulo garantido mas com
uma labiríntica estrutura, completamente desligada da atividade económica e fora
de qualquer controle.
O modelo dos offshore ultrapassou o sonho do mais visionário usurário: um poder
infinito e fulminante deslocando-se à velocidade da luz para o mercado e o produto/mercadoria
onde o lucro imediato pode ser maior. O poder político impotente ou cúmplice,
justificando a sua demissão e colaboracionismo em nome da concorrência desleal
dos outros países.
Os especuladores financeiros não
têm rosto, mas possuem uma dupla face: sem abandonar a sua cobertura, jogam
também no plano legal
O capitalismo, ao contrário do
que sonharam e escreveram os líderes históricos das revoluções socialistas
vitoriosas, que se julgaram, eles também, insubstituíveis e identificaram o
estado socialista com a sua própria figura, renasceu sempre mais forte das suas
crises, porque a sua força motriz eram o capital produtivo e a dinâmica de
expansão mundial; é certo, deixando atrás de si um rasto de destruição das
forças produtivas e de guerra, mas chegando depois a um novo patamar de
crescimento e prosperidade.
No nosso tempo a sua liderança
está agora no capital financeiro especulativo, que dispõe de um incomensurável
poder e ambição e tem força e influência suficientes para destruir a própria
estrutura do estado moderno, a África como a sua maior vítima, o estado de
direito colocado em perigo em todo o mundo.
Enfim, a comunicação social e os
seus feitores de opinião, qualquer que seja o seu distinto propósito, convergem
em que, num caso como este, ninguém deve ficar neutro, enquanto o ex-acusado,
invocando a superioridade moral dos inocentes, destrata o seu antigo amigo e ex-presidente
da república, e o atual, que foi também seu companheiro de partido “A proteção
dos direitos fundamentais, passou alheio a todos os Presidentes da República
até agora e está a passar alheio a este. Temos um Presidente que tem opinião
sobre tudo menos sobre a questão dos direitos fundamentais do cidadão, o homem
é que é o fim da política, isto passa-lhe também ao lado", criticou. Parte
da culpa, diz, cabe também aos 'media', que acusa de conluio com a Justiça.
Quem devia proteger-nos na sua atividade de investigação e guardar o segredo de
justiça, não o faz", lamentou, apesar dos principais jornais do país terem
publicado a sua diatribe e lhe ter sido concedido direito de antena nas TV…e
faz tudo isto, como homem livre, estatuto que afinal lhe foi outorgado pela “maldita”
procuradora!?
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