Dir-se-á que o debate
sobre a moral política das candidaturas é assunto que não interessa aos mais de nove milhões de leitores e, sobretudo, aos quatro milhões de abstencionistas. Mas
discordo. E sublinho o conceito,” moral política da candidatura” e não
julgamento do carater do candidato. Acho mesmo que, para todos os meus
concidadãos, suscitar este debate é absolutamente decisivo.
O
ponto fraco
Marcelo Rebelo de Sousa
é candidato à presidência da República desde há longos meses ou mesmo anos. E,
no entanto, aproveitou até ao fim a propaganda semanal da sua imagem projetada
na televisão. Esta circunstância colocou em desvantagem todos os outros
candidatos, que terão apenas algumas horas de visibilidade no mais importante e
decisivo órgão de comunicação social.
É por essa razão que o
candidato Marcelo Rebelo de Sousa pode prescindir de cartazes, folhetos e
tarjetas, filmes e spots
publicitários, jantares e comícios previamente organizados. Os outros, não
podem dar-se a esse luxo, porque não partem da luz da ribalta.
Este candidato será
apoiado pelas direções atuais do PSD e do CDS. Segundo afirma Portas, porque o
CDS quer compensar o domínio socialista sobre os outros órgãos do poder, afirmação que omite o fato de Sampaio da Nóvoa ser o único independente, não filiado. Mas o
PSD deixou bem claro que escolhe aquele seu militante porque está convicto que ele
será um defensor dos chamados compromissos europeus, isto é, da política
austeritária que ainda prevalece numa União Europeia dominada pelos partidos
conservadores.
Defender,
cumprir e fazer cumprir a Constituição ou subvertê-la?
Ao Presidente da
República cumpre, nos termos do juramento que presta no seu ato de posse,
"defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República
Portuguesa".
Nos termos da
Constituição, o Presidente da República é o Chefe do Estado. Ele
"representa a República Portuguesa", "garante a independência
nacional, a unidade do Estado e o regular funcionamento das instituições
democráticas" e é o Comandante Supremo das Forças Armadas.
O princípio constitucional
de garantir a independência nacional comete ao Presidente da República o dever
de avaliar e submeter os compromissos internacionais a esse imperativo e não o
contrário, como pretendem os dois partidos de direita. Nesta matéria, Maria de
Belém não se distingue de Marcelo e Sampaio da Nóvoa ainda não tomou uma posição
concreta.
A “unidade do estado”,
em sentido territorial, não constitui hoje um problema da nação portuguesa. Mas
“defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República
Portuguesa", sim. Já que o processo de integração europeia implicou aceitar
limitações de soberania_ como a moeda única, e o acordo com a Troika, seguido
pelo Tratado Orçamental, colonizou o estado democrático, pondo em causa essa
independência e empobrecendo todas as classes que constituem a nação portuguesa.
Ao mesmo tempo que o governo da PAF legislava repetidamente em conflito com o
Tribunal Constitucional.
Tal significa que, uma
eventual vitória de Marcelo, mesmo que não implique a tentativa de dissolver a
atual maioria de esquerda no parlamento ou forçar a demissão prematura do governo de centro-esquerda e , sublinho, de centro-esquerda e não de esquerda, nunca
cumprirá consequentemente o imperativo de defender a independência nacional e,
em consequência, de coexionar a nação portuguesa em torno dos direitos democráticos
e sociais inscritos na Constituição.
Neste ponto, deverá
ficar claro que Marcelo Rebelo de Sousa se posiciona não à direita mas ao
centro e, neste contexto, podemos perceber agora como a derrota da política
austeritária é mais profunda em Portugal do que as legislativas prenunciavam. A
direita, representada pelas direções atuais do PSD e CDS, não tem um candidato
que esteja alinhado com a sua política austeritária. Colocar o acento crítico
na “duplicidade” de Marcelo, é não perceber a questão política essencial.
Mas as esquerdas não
têm a confiança de mais de quatro milhões de abstencionistas e a maioria dos
dois milhões de eleitores da PAF ainda não perceberam e sentiram que o programa
do governo de António Costa lhes vai trazer benefícios.
No que concerne às
forças armadas, e ao seu estatuto e funções constitucionais, que Marcelo e Maria de Belém
têm omitido, parece haver uma certa expetativa positiva da parte quer
das suas hierarquias, quer das suas associações profissionais, na eleição de
Sampaio da Nóvoa, traduzida na sua presença e participação nalgumas ações de
campanha.
No entanto, também esta
candidatura não se pronunciou publicamente sobre o imperativo de rever a Lei de
Defesa e Segurança Nacional em vigor, imposta pelo governo PSD/CDS à revelia do
projeto apresentado pela comissão que ele próprio escolheu; provavelmente,
porque evidenciava os problemas do impacto da política austeritária na
independência e na coesão nacionais.
E nenhuma das
candidaturas prestou a devida atenção aos gravíssimos problemas porque passam
os membros das forças policiais.
Quem
se candidata pelas vítimas do austeritarismo?
Regresso à questão dos
quatro milhões de abstencionistas. Neles se encontram as maiores vítimas das
medidas mais odiosas da política austeritária, que a Troika e a direita
provocaram, mas a esquerda tão pouco colocou no centro da sua ação política:
O número de processos executivos
ordenados pelas Finanças tem vindo a aumentar desde 2011, passando de 927 mil
neste ano para 2,07 milhões do ano em 2013 e 2,5 milhões em 2014. Por
comparação, em 2005 apenas foram emitidas 59 mil ordens. Envolvendo salários,
contas bancárias, residências familiares, empresas e os seus equipamentos,
cônjuges e fiadores, reversões, penhoras e vendas em hasta pública, coimas
brutais e expropriações em massa. Mas o Fisco só consegue arrecadar 15,9% das
dívidas que avançaram para a fase de cobrança coerciva. Porque os bancos são
credores prioritários e recebem o que as finanças cobraram e porque a ruina das
PME e dos seus sócios é muitas vezes total. Em consequência, 122.000 famílias foram espoliadas das suas casas. Falhanço e
impiedade social, eis o perfil amoral do governo anterior.
Paira sobre a campanha presidencial
a indiferença dos candidatos Marcelo e Maria de Belém perante estes problemas,
que a propaganda da direita considera pertencerem ao domínio do governo e
classifica como demagogia política: nem uma palavra de compaixão ou promessa de
ação política, no exercício dos poderes formais e informais que a Constituição
reconhece ao futuro presidente!
Ao contrário, estas questões,
a pobreza, tal como o Serviço Nacional de Saúde e a valorização da Escola
Pública, têm constituído temas centrais das conferências e debates promovidos
pela candidatura de Sampaio da Nóvoa; mas sem que o seu discurso assuma a dimensão
concreta do compromisso de intervenção política constitucional, quaisquer que
sejam os governos do seu mandato presidencial.
Se assim continuar a
campanha, o futuro presidente será referendado e não eleito, e, mesmo sem a
força moral do voto da maioria dos eleitores portugueses, terá a força política
suficiente para que o risco de golpe presidencial se agigante no horizonte da crise
austeritária, que é de toda a Europa e virá.
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