A negociação entre o PS, o BE, o
PCP e o PEV, conduziu a um programa comum com 51 medidas e à proposta de
constituição de um governo do PS, que mantém o seu próprio programa e garante todos os compromissos internacionais em vigor.
Em vez de negociar cargos e
prebendas, acordaram um programa de governação que procura reduzir o sofrimento
imposto pela política de austeridade às classes populares, aos pensionistas e
às famílias da classe média e promove a recuperação das empresas nacionais, que
foram descapitalizadas e devastadas pela política fiscal austeritária.
Não há nestas medidas nenhum
grito de ódio nem qualquer ameaça à propriedade e ao estatuto social das
classes altas ou à construção europeia.
A defesa dos direitos sociais dos cidadãos
Entre os 4 milhões de
abstencionistas e os 2 milhões de eleitores do PSD e CDS estão muitos dos
beneficiários da nova política de recuperação de salários e pensões. De forma
progressiva serão descongeladas as pensões e repostos os complementos de
reforma, a taxa de TSU dos trabalhadores com salários até a 600 € será reduzida
em 4% ao longo da legislatura de 4 anos,
enquanto o salário mínimo se elevará, de forma concertada, até aos 600 €; os
salários na função pública serão repostos em dois anos. A precaridade e os
falsos recibos verdes serão combatidos. Haverá mais escalões do IRS e deduções
por cada filho, pelo que baixará o imposto dos que menos ganham; serão
reduzidas as coimas e juros fiscais aplicados às famílias; o IMI não subirá acima
de 75 €/ ano e as casas de família serão protegidas das execuções fiscais e
penhoras…a redução das taxas moderadoras na Saúde e o reforço do SNS… a redução
do número de alunos por turma, o acesso ao ensino pré-escolar a todas as crianças,
até 2019…entre outras medidas, que eliminam ou reduzem as medidas mais odiosas
da política austeritária.
O preço das medidas e a questão da iniciativa privada
Através dos órgãos de informação,
controlados por dois grupos económicos fiéis à coligação PAF, tal como pela
televisão pública, e na voz da maioria dos seus jornalistas/comentadores
políticos, que se opõem ao governo de centro-esquerda, foram sendo lançados novos e
velhos fantasmas. Os últimos, são a ameaça à iniciativa privada e o risco do
“buraco” financeiro que estas medidas irão criar no orçamento do estado. Fala-se
numa perda de receita que pode chegar a 1.500 milhões de euros! Selecionemos a
medida mais emblemática deste programa de centro-esquerda, a redução do IVA na
restauração e analisemos a questão.
O setor da restauração vai beneficiar
de uma redução do IVA, que o governo PSD/CDS aumentou para 23%, regressando aos valores
de 13% anteriores a 2012. Esta verba faz parte da alegada perda de receitas
pelo estado. Mas ninguém pode negar que é um importante apoio à iniciativa
privada: em 2013, segundo o INE, havia 74.664 empresas neste setor, que
empregavam 211.199 trabalhadores, isto é, cerca de metade dos postos de
trabalho do Turismo e representavam 4,9% do PIB.
A política fiscal austeritária da
coligação PAF, que hoje continua a recusar a redução do IVA da restauração,
conduziu a que, até ao 1º trimestre de
2015, a Restauração e a Hotelaria tenham perdido 52.900 postos de trabalho (Fonte:
INE). E levou a que na Restauração e Hotelaria, 60% das empresas estejam em
Alto Risco de Falência (Fonte: Comissão Europeia)…
Por ser assim, os números de
crescimento das receitas do turismo, usados pela propaganda do PSD e do CDS
como exemplo da recuperação da economia e do sucesso da sua política, escondem
uma realidade mais complexa e mesmo trágica. É por isso que só existe economia
política e não apenas uma suposta realidade económica baseada em dados
estatísticos parcelares, que não analisam a situação das empresas e dos seus
trabalhadores. Economia política porque integra a situação da classe
trabalhadora, dos empresários, o contexto político e social, nomeadamente os
problemas da capitalização e da fiscalidade e as consequências sociais das
insolvências e dissoluções, mesmo quando surgem novas empresas em paralelo.
Analisemos então essas consequências, na
restauração, citando a sua associação empresarial, a AHRESP e retomando as Estatísticas do Emprego,
referentes ao 1º trimestre de 2015 "o sector perdeu 52.900
postos de trabalho ", o que representa um custo em TSU da empresa de 145 milhões EUR,
em TSU dos trabalhadores 68 milhões EUR, em subsídio de desemprego 335 milhões
e em IRS 49 milhões EUR". No comunicado emitido, a AHRESP termina com uma
pergunta: "Atendendo que o SEAF_ Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais
estima um aumento de 451 milhões de euros na sua receita das finanças, como
explica a perda dos 597 milhões de euros da Segurança Social?".
Então e voltando à questão
inicial, de quanto custa e como se pagam as funções sociais do estado: Entre 2008 e 2015 a restauração e a hotelaria
perderam 60.700 postos de trabalho, segundo o INE. Entre 2011 e 2015,
fecharam 11.300 empresas e perderam-se 1,2 mil milhões de euros de volume de negócios; o crescimento do desemprego no setor da
Hotelaria e Restauração, no período de governação
PSD/CDS, custou ao estado democrático um buraco de 597 milhões de euros na
Segurança Social! A recuperação destes postos de trabalho significará baixar os
gastos da Segurança Social no mesmo valor e acrescentar-lhe em receitas outro
tanto. Em termos reais, as contas públicas beneficiam em quase 1.200 milhões, e
o conjunto da economia e as exportações de um valor semelhante ( exportações
indiretas, pois uma parte nunca estudada mas substancial das receitas da
restauração provêm dos turistas internacionais!) Tal não acontecerá de imediato,
nem num prazo tão curto como foi o da destruição, mas este é o caminho, aquele
que a Constituição defende, o equilíbrio entre o setor público e privado, o
direito à existência das PME, que é dever do estado proteger e apoiar…contra a
política anterior e atual do PAF de Coelho e Portas.
A tentativa de golpe presidencial
Sigamos o filme da tentativa de
golpe: O discurso presidencial de subversão da Constituição, excluindo da
alternativa de governo o PCP e o BE, querendo obrigar o PS a servir de muleta à
direita; depois a pressão para dividir este partido e de o coagir a não
derrubar o governo minoritário da PAF; a propaganda sobre a mera legitimidade
formal do governo PS com apoio parlamentar à sua esquerda, secundada pelo
interferência pública dos partidos conservadores e de direita do PPE; e, agora,
pela voz do representante da CAP, não secundado pelas outras confederações
empresariais, mas em coro com Passo Coelho, o apelo ao pântano de um governo de
gestão que impeça António Costa de formar governo e force novas eleições. Já
sem receio do incumprimento do pacto orçamental, que exige a apresentação de um
orçamento ainda este ano e não daqui a oito meses; sem escrúpulo de provocar o
incumprimento do deficit, antes intocável; expondo os financiamentos do estado
e das empresas à especulação dos mercados e à subida dos juros; violando
deliberadamente o princípio constitucional de igualdade de todos os partidos
perante a lei fundamental e da eleição do governo segundo a aprovação da maioria
parlamentar.
A assinatura do acordo de
privatização da TAP surge, neste contexto, como uma provocação para explorar as
divergências entre os partidos de esquerda na matéria.
Caiu a verdadeira fraude
eleitoral que confundia as eleições de deputados com a eleição de um primeiro-ministro
e amarrava o PS à mesma política do PSD e do CDS. A Constituição da República, as
leis eleitorais, nos quarenta anos de democracia, sempre determinaram a eleição
dos governos pela Assembleia da República e a eleição dos seus deputados pelo
voto popular. Não há outra tradição ou legitimidade política. É a democracia liberal,
ocidental, a funcionar, tal como acontece na maior parte dos países europeus. O
Presidente da República convida a formar governo o partido ou os partidos mais
votados, mas não escolhe nem o governo nem o seu programa. Resta-lhe a
prorrogativa de avaliar se a solução encontrada pela Assembleia da República
permite o funcionamento regular das instituições constitucionais.
Nos últimos dias multiplicaram-se
as críticas aos acordos multilaterais do governo de centro-esquerda do PS. Que é um
simples entendimento e não um acordo, que é frágil, porque não inclui os
líderes dos quatro partidos. Se os incluísse. Dir-se-ia que estava em causa a
solidez dos compromissos internacionais: que o governo português ficaria sobre
suspeição da Nato, como se ainda existisse o Pacto de Varsóvia… Que falta o
compromisso em torno dos Orçamentos da legislatura, que ninguém pode elaborar
hoje, a três ou quatro anos de distância e por aí adiante!
Quando avaliamos, objetivamente, as
condições para a solidez dos acordos políticos e do governo do PS com apoio
parlamentar à esquerda, todos os argumentos são subjetivos e parciais, com
exceção de dois:
A solidez pode medir-se pela
existência de uma maioria parlamentar de deputados, e ela ficou comprovada na
votação da moção de rejeição do governo PSD/CDS, por 123 votos contra 107.
A solidez pode medir-se pela
introdução nos acordos de uma cláusula que perspetiva a sua duração para a
legislatura, e ela existe, não só genericamente, mas no concreto da aplicação
das suas medidas progressivamente ao longo de quatro anos.
Todas as outras exigências são do
domínio da falácia política e da criação de um clima propício ao golpe
palaciano do Presidente da República, que a direita está disposta a usar até ao
fim como “boi de piranha”!
O acordo múltiplo entre os partidos
de esquerda diz de si próprio, em linguagem simbólica, como nos versos (Soneto
Fidelidade) de Vinicius de Morais, “Que não seja imortal, posto que é chama.
Mas que seja infinito enquanto dure.” Para que assim seja, preconiza sempre o
diálogo e a negociação perante as dificuldades e reconhece a cada um o direito
à sua ação e propaganda política autónomas até ao fim da legislatura. No seu
conteúdo político prevalece o programa matriz do PS, como partido hegemónico.
Enganam-se os arautos da direita
quando reduzem o problema à ambição de um líder e ao pragmatismo dos outros
partidos, ou fingem que não percebem como se alterou a correlação de forças em
Portugal e na União Europeia, que tem sido, a União do PPE, os partidos
conservadores e de direita que falam em nome da Europa, controlando todos os
órgãos da UE.
O fim do bipartidarismo em Portugal
revelou uma direita incapaz de se renovar e que ficou reduzida a uma base
eleitoral que representa cerca de um quarto do eleitorado, se contarmos também
com os abstencionistas. Uma direita tradicional que pressente que o poder lhe
escapará no futuro.
As diferenças de posição sobre
questões como as privatizações ou a dívida soberana não são fissuras no acordo,
são o pluralismo da esquerda exposta ao debate político e ao compromisso pelas
grandes causas democráticas, que já o foram da social-democracia e da
democracia cristã: a soberania nacional e o direito das nações a escolher o seu
regime; o estado social; a universalização do direito à saúde, à proteção
social, a paz e a cooperação…
O PCP e as forças políticas que
fundaram o BE escolheram a via democrática para atingir o socialismo. Essa
escolha foi feita no último confronto militar da Revolução de Abril, o 25 de
Novembro. O país ficou a dever à direção de Álvaro Cunhal e aos líderes
militares da esquerda revolucionária, que dispunham à época de superior
capacidade operacional, o acordo com o Grupo dos 9 e os outros partidos
democráticos para evitar a guerra civil. A Constituição da República de 1976
selou esse acordo, do PSD à UDP, deixando de fora o CDS que votou contra. Este
caminho foi igualmente seguido pelos revolucionários latino americanos e pelos contra
revolucionários do leste, que utilizaram os mesmos instrumentos políticos, para
mudar os regimes: o movimento sindical e a grandes manifestações populares; no
Brasil, o sindicalista Lula e a luta
pelas “diretas”; na Polónia, Lech Wałęsa e o sindicato Solidarność; ambos se
tornaram Presidentes da República.
O PS francês e o Partido
Democrático italiano compreenderam finalmente que a UE caminhava para a
estagnação e nova crise financeira e apoiaram a política monetarista do BCE; opuseram-se à
expulsão do Euro da Grécia e proclamaram a necessidade de uma urgente reforma
democrática na europa comunitária. Os partidos socialistas que prosseguiram até
ao fim a política austeritária desagregaram-se, como na Hungria e na Grécia; entre
os partidos comunistas desenharam-se caminhos opostos: aqueles que mantiveram a
sua identidade e que procuraram alianças políticas com forças democráticas e socialistas,
como na Espanha através da Esquerda Unida e na França, a Frente de Esquerda,
sobreviveram e cresceram; os que não o fizeram, como na Grécia, reduziram drasticamente
a sua expressão política.
E qual a trajetória dos partidos
tradicionais da direita, os conservadores, centristas, populares?
No norte, centro e sul da UE
beneficiaram do apoio dos socialistas; mas no leste, a crise austeritária tem
vindo a dispensá-los e a fazer subir ao poder partidos chauvinistas de
extrema-direita. No Reino Unido, provocaram o crescimento do movimento pela
independência da Escócia e em Espanha, a abertura institucional do processo
independentista da Catalunha. Apenas em Espanha, face ao surgimento do PODEMOS,
a direita deu início á sua renovação democrática, mas fora do PP em decadência,
com a criação dos Ciudadanos, nascidos exatamente no centro nevrálgico da crise
austeritária da Espanha, a Catalunha.
O partido conservador inglês pode
ter aberto o ciclo de desagregação da União Europeia, que só uma futura vitória
do novo líder de esquerda trabalhista poderá estancar, com o seu ultimato à
Comissão Europeia: reforço dos direitos dos países que não fazem parte da zona
do euro, mas na lógica dos interesses britânicos;
reduzir o nível de integração europeia do Reino Unido, novas medidas para a competitividade
da UE e mais poder a Londres em relação
aos imigrantes que chegam ao continente. No concreto, sabemos apenas que Cameron pretende impedir que os
imigrantes de outros países da UE tenham direito a benefícios sociais durante
quatro anos, restringir o direito à livre circulação de trabalhadores dos novos
países da UE até que as suas economias se desenvolvam. E anuncia o referendo
sobre a permanência na UE antes do final de 2017 como moeda de troca.
A orientação do trabalho de esclarecimento político
para a base popular do PSD e do CDS e da grande massa de abstencionistas, e não
para a demarcação de posições entre aliados, a salvaguarda do acordo que
permitirá a formação do governo de centro-esquerda em vez da disputa sobre problemas
secundários, como a direita pretende, a exigência da chamada dos partidos a S.
Bento para que se inicie o ciclo constitucional de constituição do novo governo
e a convergência nas presidenciais, são as condições políticas para o
renascimento e a coesão nacionais contra o inimigo comum dos povos e nações
soberanas e de Portugal, a oligarquia financeira sem pátria.
O direito a resignar
Não sei se o atual presidente
da República é o líder desta tentativa de golpe palaciano ou o velho “boi de
piranha” que a direita anticonstitucional empurrou para a frente sem compaixão pelo seu sacrifício.Nada me move contra o ser humano
e espero sempre do Presidente da República um gesto de dignidade política, que
eduque pelo exemplo.
Se o presidente quer findar o seu consulado com
um gesto de coerência política com os seus mandatos sectários, também o pode
fazer no pleno respeito da Constituição e do seu Artigo 31º: resigna e o atual
presidente da Assembleia da República assume todas as suas funções
constitucionais até à eleição do novo presidente. Seria este magistrado, no
pleno exercício dos seus poderes constitucionais, a convidar o líder do 2º partido
mais votado a formar governo. E os portugueses ficariam a conhecer melhor a sua
Constituição, que votaram quase unanimemente, mas não leram.
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