O argumento político principal contra a legitimidade da Assembleia da República para decidir sobre a despenalização da eutanásia e do suicídio assistido, está assente no facto de nem o PS nem o PSD terem colocado no seu programa eleitoral esta decisão política, apenas o fizeram o BE, o PAM e o Livre. Mas
aqueles deputados vão ter liberdade de voto e assim decidir em consciência, e
não por disciplina partidária. E essa legislação não resulta de nenhum direito
ou moral natural, mas de um conjunto de decisões partidárias tomadas por
sucessivas instâncias políticas, que não eram mais democráticas que a atual
Assembleia.
Usando
a prova contrária, a reduzida participação dos eleitores nos anteriores
referendos da mesma natureza, onde as questões éticas e morais são tão
relevantes como a dimensão política e ainda mais complexas, não constitui
garantia de maior participação democrática.
E
finalmente, ainda no plano político, as imposições orçamentais da União
Europeia, a ascensão de grandes grupos empresariais que dominam os negócios da
saúde, esmagam a concorrência privada, disputam o espaço das IPSS e canibalizam
o SNS, continuará a bloquear o
crescimento da rede de cuidados paliativos, deixando entregues a si mesmo os
casos mais graves e incuráveis. “Os casos perdidos”, serão mandados para casa,
não por desumanidade, mas para que outros sobrevivam.
Quem
são hoje aqueles que clamam por uma morte misericordiosa? Quem estudou este
problema? Quem os conhece? Quem os procurou e ouviu? Quantos são? Ninguém sabe.
Nenhuma instituição, quis saber!
Respondo
sem outra autoridade que não a vida vivida e repartida entre o campo e a urbe:
Os idosos que vivem e morrem doentes, pobres e solitários, em velhos andares
isolados nas centros urbanos das nossas maiores cidades e nas cidades
dormitório, os casais e viúvos com a família emigrada que esperam, doentes, a
morte, nas nossa aldeias e campos queimados, num mundo rural em agonia. A eles
ouço dizer, “tomara que Deus me leve!”
Os
suicidas, de entre eles. Citando estudos científicos (Global Burden of Disease,
comentados na nossa imprensa): A taxa de mortalidade por suicídio acima dos 75
anos é quatro vezes superior à média nacional. Em Portugal, o comportamento
suicidário dos homens é três vezes superior ao das mulheres. A “solidão melancólica
do mundo rural”. O Alentejo mantém-se como uma das regiões europeias com taxas
mais altas de suicídio. Agora, em vez de ser aos 55 anos, é a partir dos 45 que
começam a aparecer mais casos. Em números absolutos traduzem-se em 1 061
suicídios. A perda de estatuto social, associada à crise económica, a doença
crónica ou a perda de rendimento, geram um risco acrescido de suicídio. Estas
pessoas necessitam receber mais apoios sociais, além dos cuidados médicos.
Graças
ao trabalho de crentes e não crentes, as IPSS, apoiadas pelo estado
democrático, e as autarquias, acolhem nos seus centros socais uma grande massa
de população desprotegida e envelhecida.
Mas
há cada vez mais doenças crónicas e incuráveis, e já não apenas nos idosos. Os
mais potentes opiáceos quebram a dor, mas os seus pacientes perdem a
consciência e a autonomia.
Chegamos
ao plano moral.
Face
ao mistério e à proximidade da morte, a religião é um grande bálsamo. A psique
e a consciência do crente encontra nela as forças incomensuráveis para se
encomendar a Nossa Senhora da Boa Morte!
Mas
para quem não é crente? Qual é o sentido da vida sofrida até ao último
suspiro? Quando o médico dita a sentença
fatal: Um melanoma incurável e metastizado: alguns meses de sobrevida, com a
agonia química. O mesmo, com um pouco mais de vida, para um cancro de pulmão,
ou do pâncreas…uma esclerose múltipla que reduz a vida à condição vegetal, ou
um pescoço quebrado…as doenças mentais degenerativas…
E é
perante este ser humano que a moral e a lei dominantes se têm de confrontar:
É
então que eu evoco a tradição cristã dos primeiros tempos e do suplício de S.
Pedro: Condenado a morrer na cruz, pediu para ser crucificado de cabeça para
baixo; por humildade, para com o seu criador? Ou por pura humanidade? A morte
na cruz é uma longa asfixia, o sangue acumula-se e comprime os pulmões
lentamente; com a cabeça projetada para os pés da cruz, a morte chega mais
rápida e menos sofrida!
E
recordo o momento mais humano de Cristo crucificado, quando, em agonia, ergue
os olhos para o céu e clama: “Pai, porque me abandonaste?”
Não existe, na tradição do pensamento cristão, uma teologia única sobre o sofrimento e a morte. Mesmo com o bálsamo das Verónicas deste mundo, hoje sobre a forma de cuidados continuados, e o conforto das lágrimas da mãe que vê partir o seu filho, a mais trágica das dores humanas, essa teologia reconhece que o sofrimento do ser humano pode ser física e moralmente insuportável e a aproximação da morte, o seu alívio.
Não existe, na tradição do pensamento cristão, uma teologia única sobre o sofrimento e a morte. Mesmo com o bálsamo das Verónicas deste mundo, hoje sobre a forma de cuidados continuados, e o conforto das lágrimas da mãe que vê partir o seu filho, a mais trágica das dores humanas, essa teologia reconhece que o sofrimento do ser humano pode ser física e moralmente insuportável e a aproximação da morte, o seu alívio.
Interroguemos
a Natureza Humana, colocando uma questão ontológica. Quem somos? Criados à
imagem e semelhança do próprio Deus? Homem és pó e ao pó hás de voltar! Somos o
resultado improvável da combinação de um número infinito de circunstâncias,
determinadas pela ciência e pelo acaso? Uma nuvem de átomos. Somos poeira das
estrelas. Somos a própria consciência da matéria primordial do universo e,
nessa dimensão, o elemento mais elaborado da sua evolução desde o Big Bang?
Essa
consciência, da morte inevitável, que se interroga até ao fim acerca do destino
inexorável, é a face terrível da nossa própria liberdade.
O
destino humano, pavor configurado no limite da existência de cada ser, mas
também epopeia nesse singular contributo para que a Vida prossiga e, talvez ou
não, venha a alcançar novos Mundos.
“Para
onde vai a nossa consciência?” (Miguel Unamuno). Pensar e sentir a própria
morte, dos seres que amámos, que nos fizeram nascer e aqueles a quem demos
vida, reflexão primordial acerca da natureza humana, do carácter peculiar da
espécie humana, gerada pela mesma matriz cósmica que fez nascer as estrelas e
delas emergir a Terra, mas a única que sonhou ultrapassar, a nível da
consciência individual, a lei de bronze da sobrevivência de todas os outras
espécies: A morte como condição para a sobrevivência dos novos indivíduos sobre
a Terra, derradeiro ato de amor para com os descendentes; os indivíduos têm de
morrer para que a sua descendência específica prossiga e evolua_ princípio do
Altruísmo.
Mas
onde está o sentido da vida? Nesse devir da matéria para a consciência de si e
do outro, criadora da nossa alteridade na relação com todos os seres e entes.
Porque nasceu então a angústia da morte? Como a sentiriam os primeiros seres
humanos? Porque emergiu na nossa consciência o desejo de imortalidade, de viver
para sempre? E não nasceria logo ali a mesma angústia da eternidade? Talvez
comece aqui o sentimento do sem sentido da vida. E a sua superação.
A
vida, vivida em plenitude, dos caçadores felizes com a abundância da fauna
primitiva, dos recolectores, saciados com bagas e frutos, a vida com sexo, ser
amado. (Quando começámos a amar? E a sonhar?) A vida humana primitiva, difícil
e heroica, dolorosa e curta, poderá ter feito nascer nos seres humanos o mesmo
apelo oposto, à continuidade da vida e ao alívio da morte sem o sono povoado
pelo pesadelo da dor.
A
vida vivida, entre a angústia da imortalidade e da eternidade. Angústia
resolvida na morte (?). Na morte física, que não é a morte das nossas moléculas
e átomos.
“A
ideia da Morte é a base da vida moral”, a consciência da finitude do eu pessoal
faz nascer o imperativo metafísico de viver “para algo eterno”. (Antero de
Quental)
Pode
o condenado ao calvário da finitude, almejar ainda essa dimensão da vida? Pode,
se for essa a sua crença. Mas porque não pode, “o outro”, abraçar a morte com
dignidade?
1 comentário:
Gostei muito.
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