Um coro em uníssono de
comentadores, em todas as estações de televisão, rádio e jornais, proclama o
extraordinário acontecimento: a coligação PSD e CDS, depois de quatro anos de governo
austeritário, ganhou as eleições! Excecional acontecimento político, fracasso
do líder do PS!?
Sujeitemos a vitória ao critério
dos fatos políticos incontestáveis.
Primeiro_ Nas eleições de 2011,
PSD e CDS somaram 2.159.181 ( 38,66%) +
653.888 ( 11,71%) dos votos expressos: 50,37%, 2.805.069. Se agora, em
coligação o apuramento lhe dá um valor próximo dos 38%, é porque perderam 25%
dos votos. E, quando observamos os votos reais, a perda é ainda mais notória: superior
a 700.00 votos. Tal resultado aproxima-se do nível da mais baixa votação de
sempre atingida pelos dois partidos após o abandono do governo por Durão
Barroso e o consulado efémero de Santana Lopes, já que em todo o historial das
eleições o score eleitoral destes partidos variou entre 40 e 50%.
Segundo_ Uma tal votação
representa apenas 104/106 deputados (falta apurar os deputados dos Círculos da
Europa e de Fora da Europa), dos 230 que constituem a nova Assembleia da
República. PSD e o CDS terão perdido então 26/28 deputados face a 2011 e a
maioria que lhes permitiria formar governo.
Em conformidade com a Constituição
Portuguesa, as eleições para a Assembleia da República elegem uma maioria
parlamentar, que por sua vez escolhe o governo. Uma nova maioria de esquerda de
122 deputados significa que a coligação PSD/CDS não (?) formará governo nesta
legislatura: todos os partidos de esquerda, incluindo o PS de António Costa, já
afirmaram publicamente que não atraiçoarão o seu voto e a decisão maioritária
do povo português, que deverá eleger uma maioria de esquerda plural, pondo
termo ao bipartidarismo corruptor da democracia. Tal como está a acontecer por
toda a Europa e antes se tornou realidade na América Latina.
O que os comentadores políticos
se recusam a ver, é que à esquerda surgiu um novo polo eleitoral, plural e ainda
sem unidade e força políticas para liderar uma alternativa de governo, mas
real, com programas políticos semelhantes e convergentes contra a política
austeritária. Como sempre aconteceu, Portugal fará o seu próprio caminho
político, diferente da Grécia e da Espanha, mas no mesmo sentido e, em relativo
atraso na construção de uma ampla frente dessa área política, face à gravidade
da crise social e da instabilidade política e ao risco da sua deriva para uma
crise geral nacional, a perda crescente da democracia e da soberania nacionais.
O seu próximo desafio é a construção da frente única em torno de uma
candidatura presidencial.
Terceiro_ O coro dos comentadores
prescreveu uma regra de bronze, que não tem base científica nem política:
perante uma tão violenta política de austeridade o povo “devia votar sempre ”
contra o governo e no principal partido da oposição. Parecia ser assim, antes
da crise financeira internacional, da sua transformação em crise da dívida
soberana, com o que se refinanciaram bancos e entidades financeiras e parecia
sê-lo antes da crise geral dos Partidos Socialistas e Social Democratas, que
governaram pela política austeritária. Mas já não é!
E tal regra nunca existiu, antes
reina outra: a destruição do emprego, da reforma, a precaridade, a
descapitalização das PME, o controle do aparelho de estado e dos fundos
comunitários pela coligação de direita, geram dependência, medo do futuro,
egoísmo e submissão nos trabalhadores e empresários que dependem do poder
económico e político partidarizados e tutelados pela oligarquia europeia! Conduzem
à confusão eleitoral, à abstenção e à alienação política. E, apesar disso, e
das centenas de milhar de votos contra o governo que foram sonegados da pugna
eleitoral pela vaga de emigração que flagela o país, à cautela, já todos fomos
violentamente avisados: “Vejam como esmagámos a revolta do Syriza!?”
Mas o Syriza renasceu vitorioso
das eleições gregas, com o apoio do seu povo e, se não fora a perda de algumas
décimas em favor da candidatura falhada dos seus dissidentes, teria finalmente
ultrapassado a barreira dos 36% e alcançado a maioria absoluta!
Quanto à crise do PS, que é a
crise dos Partidos Socialistas europeus, ela está para além da liderança de
António Costa: O SPD alemão colou-se à direita neoliberal de Ângela Merk, que,
sendo vitoriosa, perdera a maioria com o desaparecimento do seu aliado FPD,
quando, em conjunto com os Verdes e o Die Link (Frente de Esquerda), tinha e
ainda tem maioria na Câmara Baixa e na Câmara Alta da Alemanha; o PS francês e
o Partido Democrático Italiano situam-se no centro político, incapazes de
aplicar uma política alternativa ao austeritarismo; o Syriza ocupou o espaço de
esquerda da social-democracia, até então vazio e o novo líder do Partido
Trabalhista Inglês parece querer seguir o mesmo alinhamento; em Espanha, a
ascensão do PODEMOS empurrou para a esquerda o PSOE. E o PS português?
O que está, afinal, na ordem do
dia, é o que a nova maioria de esquerda na Assembleia da República fará da sua
vitória. Depois de não ser capaz de apresentar um programa comum, uma frente
ampla eleitoral e uma candidatura única à Presidência da República! Correndo o
risco, pela sua falta de convergência, não pelo seu pluralismo, de consentir numa
nova e trágica derrota do nosso povo e da Constituição Democrática de Abril, face
à mais importante batalha política, a luta pelo poder do estado, governo e Presidência
da República. Num período em que crescem os fatores de crise geral nacional.
O que está afinal em causa é a elaboração de acordos
de incidência governativa, que foram possíveis na última legislatura contra as
medidas anticonstitucionais da coligação de direita, que afastem do poder a
oligarquia do CDS e do PSD nos próximos quatro anos e defendam novas medidas
políticas democráticas e patrióticas.
Mesmo que a direita e o seu
presidente da república celebrem, em farsa e estertor, a sua “vitória de Pirro”!
05 de outubro
de 2015
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