10.1.12

É lamentável que as 19 empresas do PSI 20 tenham desistido do país?

“A moral da economia de mercado é esta e assim sendo, só por ilusão se pode censurar um empresário por “desistir de Portugal”. Esta é a moral do capital, que tem pátria, mas raramente é patriota e é sobre as suas regras que todos, exploradores e explorados, vivemos na Europa democrática.”

Separemos as questões políticas do joio do debate:

1. Quase 70 por cento do investimento direto de Portugal no exterior entre janeiro e outubro de 2011, um valor equivalente a 6.587 milhões de euros, foi para a Holanda, indicam dados oficiais. Os números não incluem a operação de transferência de 56 por cento do capital da Jerónimo Martins pelo seu principal acionista, a Sociedade Francisco Soares dos Santos, para uma filial SGPS na Holanda. Então, a conclusão política é de que estamos em presença de uma fuga maciça de capitais nacionais para aquele país. A Comunidade Europeia, sob liderança da Alemanha conservadora da CDU, tem-se oposto à harmonização fiscal, isto é, à definição de um limite mínimo de valores da carga fiscal, que impeça o dumping fiscal de que beneficiam países como a Holanda e a Irlanda, como no caso do imposto sobre os lucros, o IRC. A concorrência fiscal entre os países comunitários, que desprotegeu a Grécia e Portugal, a falta de solidariedade financeira com os países atacados pelas empresas de rating e pelos especuladores financeiros, conduziu agora a um padrão de subida de juros da dívida e do risco de incumprimento que já afecta não só os países da periferia mas também os “do centro” da Europa, a Itália, Espanha, Bélgica, França e Áustria.

2. O volume de investimentos na Holanda para 2011 eclipsa o de tradicionais parceiros comerciais e destinos de investimento de Portugal como a Espanha (10,5 por cento do total), o Brasil (4,8 por cento) ou Angola (2 por cento). Daqui decorre que o objectivo desta transferência de capitais não é a produção económica. A Holanda tem uma taxa de IRC relativamente baixa (25,5 por cento) em comparação com os seus vizinhos, mas as empresas nela sediadas podem receber mais-valias e dividendos de subsidiárias sem pagar impostos. Ou seja, o Grupo de Distribuição Alimentar Pingo-Doce-Recheio-Biedronka ( Polónia) mais os hipermercados da Colómbia (e Venezuela?), que não tem qualquer actividade comercial naquele país, vai entregar ao estado holandês impostos sobre mais-valias que serão retiradas ao estado português e aos estados polaco, colombiano (e venezuelano?),enfraquecendo a função social do estado. O empresário confirma-o, quando afirma que pagará o mesmo IRC, mas 10% ficam na Holanda e 15 % em Portugal. E assim se destrói o estado social e se constrói o mito da sua inevitável falência. Aqui a primeira responsabilidade política é da Comunidade Europeia e da Organização Mundial do Comércio que aceitam este sistema de fuga ao fisco legalizado, dos países empobrecidos ( pelo jugo das potências capitalistas) para os países ricos.

3. O empresário que está debaixo de crítica é o segundo mais rico de Portugal e um conhecedor informado do mercado internacional. É também um homem que tem um pensamento político e um pensamento estratégico no plano da economia e por isso, a sua opinião tem uma dupla autoridade, política e económica, e deixamos para depois a questão da ética. Deve por isso ser ouvido pela direita, que teoricamente defende o mercado livre e a esquerda, cujo pensamento crítico propõe a reforma social do mercado ou a economia socialista de mercado.

4. O presidente da Jerónimo Martins (JM), afirmou não saber se Portugal fica no euro e garantiu que a transferência do acionista maioritário da empresa para a Holanda teve em conta essa hipótese. "E se sair é para o escudo. Tenho direito de defender o meu património". É um aviso muito sério sobre a política que alguns sectores liberais e conservadores europeus e americanos propõem para enfrentar a crise do euro e que a própria Merkel não rejeita. As consequências dessa saída forçada, na actual conjuntura, foram objecto de uma extensa e fundamentada análise de Francisco Louçã, publicada no Boletim da Carta Maior, o qual, em crítica às posições favoráveis de alguns sectores nacionalistas da esquerda conclui: ““Alguém acha que se pode impor a nacionalização dos bancos, que colapsaram com a desvalorização; depois apresentar como solução o corte com os credores externos; e esperar ao mesmo tempo ter um mercado aberto para as exportações que vão salvar a economia? Ou seja, a socialização do capital e ao mesmo tempo a aliança com projectos exportadores bem acolhidos pelo capital em todo o mundo?”

5. O presidente da JM afirmou também: "Desde 2008 que sabemos que não podemos contar com a banca portuguesa para financiamento [de investimentos]", sublinhou. E Passos Coelho corroborou: "Há uma realidade que não podemos negar", disse Passos Coelho: "os custos de financiamento são mais elevados para empresas portuguesas mesmo quando tem de operar no estrangeiro", admitiu, lembrando que mesmo quando essas empresas têm garantias de bancos nacionais, "muitas vezes as garantias de bancos portugueses não são aceites lá fora". O significado político destas afirmações é que a banca privada portuguesa falhou a sua missão no mercado nacional e se desacreditou no mercado financeiro internacional. Mas então, porquê continuar a transferir os recursos do estado português para uma banca que caiu numa semi-insolvência e libertá-la das suas obrigações para com a reforma dos seus trabalhadores, como fez recentemente o actual governo, reservando 11 mil milhões de euros do empréstimo da troika para o refinanciamento da banca privada, enquanto excluiu a CGD e endividando-se em mais 5,6 mil milhões de euros dos seus fundos de pensões?

6. O líder da JM questionou o facto de ter de pagar "tanto à [elétrica] EDP, que ainda por cima é um monopólio", levantando um problema que só os partidos à esquerda do PS têm colocado e que é essencial para a tão propalada “competitividade” da economia portuguesa, o problema dos custos dos factores de produção, em que a factura energética é um dos mais graves, sendo o preço ao consumidor muito superior aos seus custos reais de produção e à média europeia. Em paridades de poder de compra, os preços da energia pagos pelos empresários portugueses são de 9,97 euros por 100 kWh, o décimo terceiro valor mais elevado da Europa (média 8,04). E agrava-se no caso dos orçamentos familiares, já que o preço-base pago pelos clientes domésticos portugueses é de 16,60 euros por 100 kWh, o nono valor mais alto em termos europeus, contra a média europeia de 13,40. E o que é politicamente relevante é a denúncia de uma situação de monopólio, que viola não só a constituição portuguesa como também a legislação comunitária. Esta situação vem desmentir os rasgados elogios à actual administração da empresa, cujos resultados se baseiam numa situação de ilegalidade e abuso de poder, cujas vítimas secundárias, depôs dos consumidores, são as empresas sub-empreitadas e visam desviar a atenção do facto que a EDP, como a banca e as outras grandes empresas fortemente endividadas, tinha ficado sem crédito nos mercados internacionais e, ademais, pretendem justificar os vencimentos faraónicos dos seus antigos e novos administradores, a distribuição antecipada de dividendos em 2010, etc…e outras práticas anti-sociais.

7. O empresário da JM afirmou também na entrevista da SIC que 44% dos seus acionistas são actualmente ingleses e norte-americanos, e que tinha o dever de proteger os seus investimentos. Por esta razão, considerava não apenas um imperativo de gestão mas também um imperativo moral deslocalizar o Grupo para a Holanda, mas também internacionalizar a sua empresa, face à pequenez do mercado nacional e à sua saturação e previsível contração pela crise. Devemos acreditar nesta convição moral e digo-o sem nemhuma ironia. De acordo com a moral das empresas privadas, a norma é a empresa e os seus acionistas primeiro, a pátria depois , mas apenas se o seu governo oferecer “ as garantias que esse investimento tem e que Portugal não oferece” ( o grupo deixará na Holanda 10% do IRC gerado em Portugal em troca dos favores fiscais do estado Holandês para os dividendos e lucros que virão da Polónia, Colômbia....) e, só no fim, a família, conforme humanamente reconheceu o duro empresário. A moral da economia de mercado é esta e assim sendo, só por ilusão se pode censurar um empresário por “desistir de Portugal”. Esta é a moral do capital, que tem pátria, mas raramente é patriota e é sobre as suas regras que todos, exploradores e explorados, vivemos na Europa democrática e Comunitária. Mas há outras morais e uma alternativa ética, mas essa é a da utopia socialista, da socialização dos principais meios de produção, do aprofundamento do estado social, da transição para a economia ecológica e para uma política internacional de paz e cooperação, subordinadas aos princípios da ética ambiental.

8. Afirmou ainda o empresário: “A maior parte dos nossos impostos é fruto da má gestão de quem tem a responsabilidade de gerir o dinheiro dos contribuintes. O planeamento fiscal é um dos factores ". Em Portugal, a prosperidade da banca e das grandes empresas foi conseguida à custa da negociação ruinosa das parcerias público-privadas e empreitadas nas grandes obras públicas, quase sempre improdutivas, mas não por causa dos gastos com a saúde e educação, que continuam abaixo dos níveis europeus e eram essenciais para modernizar o país. E, de facto, os planos financeiros do país devem olhar o futuro e não a reeleição dos governantes do chamado arco do poder, que foi exactamente o contrário do que foi feito com as ditas parcerias público-privadas e empreitadas ou quando, na adesão à Comunidade Europeia, se negociou a destruição da agricultura e a indústria nacionais em toca de fundos comunitários. Desenvolveram-se, no entanto, a par da saúde e da educação, as actividades de ciência e tecnologia. Enfim, o fisco holandês está disponível para "discutir previamente condições fiscais" com as empresas. E o fisco de Vitor Gaspar, está disposto a tomar medidas de amnistia e de apoio às empresas e famílias ameaçadas de “falência fortuita”?

9. Sob qualquer regime, capitalista ou socialista, só pode desenvolver-se actualmente um país que se integre na economia global. Mas há uma diferença fundamental entre as relações políticas de dependência neo-colonial para onde avançou a economia da zona euro e uma política que vise desenvolver relações amistosas com todos os países, com base nos cinco princípios de coexistência pacífica: respeito mútuo pela soberania e pela integridade territorial, não agressão mútua, não interferência nos assuntos internos de outros países, igualdade e benefício recíproco, e resolução pacífica dos conflitos, que, entre as potências mundiais, só é preconizada pela diplomacia chinesa, que, nessa base, adquiriu a sua quota na EDP. Podia tê-lo feito quando a empresa era nacionalizada, constituindo uma parceria com o estado português, se este tivesse diversificado as nossas relações internacionais e, nessas outras outras circunstãncias políticas, em benefício do povo português, que vai ser privado dos lucros da empresa, que nos últimos anos atingiram os milhares de milhões de euros. E a questão política é: Como se vai financiar um estado democrático e as suas despesas sociais, incluindo as de defesa e segurança, se lhe tiram os rendimentos das suas empresas viáveis, se o sobrecarregam de garantias dadas aos bancos, se o esmagam com os juros a pagar aos emprestadores da troika, 34 mil milhões para um empréstimo de 78.000 milhões?

10. Guardo para o final a mais importante afirmação política do segundo maior empresário do país, que ainda disse “Não perceber porque é que os partidos políticos, empresários e os sindicatos, sob a égide do Presidente da República, não se sentam para procurar uma solução em conjunto". Em Março de 2011 já afirmara que o problema de Portugal só se resolve com um Governo de salvação nacional que inclua praticamente todos aqueles partidos que defendem a democracia. Sem um acordo de regime não há solução, quer haja eleições ou não", recordando que já defende esta solução "há três anos". PS, PSD, CDS e "eventualmente" o PCP deveriam fazer parte deste pacto, afirmou, enquanto o Bloco de Esquerda está "completamente excluído", considerando Alexandre dos Santos que o partido liderado por Francisco Louçã "limita-se a criar a confusão, a injectar ódio na sociedade portuguesa e nunca apresenta completamente nada".

Não é possível imaginar uma crítica mais radical à actual maioria política e ao governo de Passos Coelho, que anuncia a sua falência e fracasso.

Mais cedo que tarde, a esquerda, terá que de definir a sua alternativa de programa de governo e a sua política de alianças, para o beco sem saída a que a troika e os seus mentores políticos, conservadores e liberais europeus em geral, já conduziram uma nação empobrecida.

Em França, com as eleições presidenciais de Março no horizonte, e sentindo que lhe escapa para a esquerda o apoio da maioria do povo, Sarkozy defende agora a taxação das operações financeiras, como aquelas a que o empresário da JM pretende escapar deslocalizando o seu capital para a Europa. E esta é uma das propostas que o partido de Louçã,  o que "nunca apresenta completamente nada", há muito apresentou.

11. Como se engana outra vez, o mesmo empresário, ao avaliar a estabilidade da situação política na Colómbia. Este país está agora no centro dos conflitos políticos na América Latina. Rodeado por países com governos democraticamente eleitos que defendem uma nova política liberta da tutela e da dependência económica, política e militar do sistema financeiro e das grandes companhias dos EUA, a Colômbia, ficou sobre a direcção de um novo líder que se destacou na recusa de soluções políticas negociadas com a guerrilha das FARC; o novo governo colombiano aceitou aumentar a presença militar americana no seu país, construindo novas bases aéreas para as forças de intervenção americanas, sob a pressão dos sectores mais conservadores do exército dos EUA.

A Colômbia pode ser uma ameaça bem mais grave para o equilíbrio financeiro do Pingo Doce, do que o boicote espontâneo, que grupos de cidadãos iniciaram em todo o país. Estes cidadãos guardam na memória o episódio de distribuição antecipada dos dividendos da PT, da Jerónimo Martins, do BES, da Sonae e de outras empresas, que se insere nesta lógica política e da gestão empresarial despojada de qualquer princípio de ética social ( a moral, é um problema de classe e de cultura, a ética é universal).
“Assim sendo, rasga profundamente o tecido social e abre em Portugal uma era de risco absoluto para a coesão e a solidariedade nacionais”.

09.01.2012















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