12.11.15

Um programa para todo o povo português …e a tentativa de golpe presidencial






A negociação entre o PS, o BE, o PCP e o PEV, conduziu a um programa comum com 51 medidas e à proposta de constituição de um governo do PS, que mantém o seu próprio programa e garante todos os compromissos internacionais em vigor.
Em vez de negociar cargos e prebendas, acordaram um programa de governação que procura reduzir o sofrimento imposto pela política de austeridade às classes populares, aos pensionistas e às famílias da classe média e promove a recuperação das empresas nacionais, que foram descapitalizadas e devastadas pela política fiscal austeritária.
Não há nestas medidas nenhum grito de ódio nem qualquer ameaça à propriedade e ao estatuto social das classes altas ou à construção europeia.
A defesa dos direitos sociais dos cidadãos          
Entre os 4 milhões de abstencionistas e os 2 milhões de eleitores do PSD e CDS estão muitos dos beneficiários da nova política de recuperação de salários e pensões. De forma progressiva serão descongeladas as pensões e repostos os complementos de reforma, a taxa de TSU dos trabalhadores com salários até a 600 € será reduzida em  4% ao longo da legislatura de 4 anos, enquanto o salário mínimo se elevará, de forma concertada, até aos 600 €; os salários na função pública serão repostos em dois anos. A precaridade e os falsos recibos verdes serão combatidos. Haverá mais escalões do IRS e deduções por cada filho, pelo que baixará o imposto dos que menos ganham; serão reduzidas as coimas e juros fiscais aplicados às famílias; o IMI não subirá acima de 75 €/ ano e as casas de família serão protegidas das execuções fiscais e penhoras…a redução das taxas moderadoras na Saúde e o reforço do SNS… a redução do número de alunos por turma, o acesso ao ensino pré-escolar a todas as crianças, até 2019…entre outras medidas, que eliminam ou reduzem as medidas mais odiosas da política austeritária.
O preço das medidas e a questão da iniciativa privada
Através dos órgãos de informação, controlados por dois grupos económicos fiéis à coligação PAF, tal como pela televisão pública, e na voz da maioria dos seus jornalistas/comentadores políticos, que se opõem ao governo de centro-esquerda, foram sendo lançados novos e velhos fantasmas. Os últimos, são a ameaça à iniciativa privada e o risco do “buraco” financeiro que estas medidas irão criar no orçamento do estado. Fala-se numa perda de receita que pode chegar a 1.500 milhões de euros! Selecionemos a medida mais emblemática deste programa de centro-esquerda, a redução do IVA na restauração e analisemos a questão.
O setor da restauração vai beneficiar de uma redução do IVA, que o governo PSD/CDS aumentou para 23%, regressando aos valores de 13% anteriores a 2012. Esta verba faz parte da alegada perda de receitas pelo estado. Mas ninguém pode negar que é um importante apoio à iniciativa privada: em 2013, segundo o INE, havia 74.664 empresas neste setor, que empregavam 211.199 trabalhadores, isto é, cerca de metade dos postos de trabalho do Turismo e representavam 4,9% do PIB.
A política fiscal austeritária da coligação PAF, que hoje continua a recusar a redução do IVA da restauração, conduziu a que, até ao 1º trimestre de 2015, a Restauração e a Hotelaria tenham perdido 52.900 postos de trabalho (Fonte: INE). E levou a que na Restauração e Hotelaria, 60% das empresas estejam em Alto Risco de Falência (Fonte: Comissão Europeia)…
Por ser assim, os números de crescimento das receitas do turismo, usados pela propaganda do PSD e do CDS como exemplo da recuperação da economia e do sucesso da sua política, escondem uma realidade mais complexa e mesmo trágica. É por isso que só existe economia política e não apenas uma suposta realidade económica baseada em dados estatísticos parcelares, que não analisam a situação das empresas e dos seus trabalhadores. Economia política porque integra a situação da classe trabalhadora, dos empresários, o contexto político e social, nomeadamente os problemas da capitalização e da fiscalidade e as consequências sociais das insolvências e dissoluções, mesmo quando surgem novas empresas em paralelo.
Analisemos então essas consequências, na restauração, citando a sua associação empresarial, a AHRESP e retomando as Estatísticas do Emprego, referentes ao 1º trimestre de 2015 "o sector perdeu  52.900 postos de trabalho ", o que representa um custo em TSU da empresa de 145 milhões EUR, em TSU dos trabalhadores 68 milhões EUR, em subsídio de desemprego 335 milhões e em IRS 49 milhões EUR". No comunicado emitido, a AHRESP termina com uma pergunta: "Atendendo que o SEAF_ Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais estima um aumento de 451 milhões de euros na sua receita das finanças, como explica a perda dos 597 milhões de euros da Segurança Social?".
Então e voltando à questão inicial, de quanto custa e como se pagam as funções sociais do estado: Entre 2008 e 2015 a restauração e a hotelaria perderam 60.700 postos de trabalho, segundo o INE. Entre 2011 e 2015, fecharam 11.300 empresas e perderam-se 1,2 mil milhões de euros de volume de negócios; o crescimento do desemprego no setor da Hotelaria e Restauração, no período de  governação PSD/CDS, custou ao estado democrático um buraco de 597 milhões de euros na Segurança Social! A recuperação destes postos de trabalho significará baixar os gastos da Segurança Social no mesmo valor e acrescentar-lhe em receitas outro tanto. Em termos reais, as contas públicas beneficiam em quase 1.200 milhões, e o conjunto da economia e as exportações de um valor semelhante ( exportações indiretas, pois uma parte nunca estudada mas substancial das receitas da restauração provêm dos turistas internacionais!) Tal não acontecerá de imediato, nem num prazo tão curto como foi o da destruição, mas este é o caminho, aquele que a Constituição defende, o equilíbrio entre o setor público e privado, o direito à existência das PME, que é dever do estado proteger e apoiar…contra a política anterior e atual do PAF de Coelho e Portas.
A tentativa de golpe presidencial
Sigamos o filme da tentativa de golpe: O discurso presidencial de subversão da Constituição, excluindo da alternativa de governo o PCP e o BE, querendo obrigar o PS a servir de muleta à direita; depois a pressão para dividir este partido e de o coagir a não derrubar o governo minoritário da PAF; a propaganda sobre a mera legitimidade formal do governo PS com apoio parlamentar à sua esquerda, secundada pelo interferência pública dos partidos conservadores e de direita do PPE; e, agora, pela voz do representante da CAP, não secundado pelas outras confederações empresariais, mas em coro com Passo Coelho, o apelo ao pântano de um governo de gestão que impeça António Costa de formar governo e force novas eleições. Já sem receio do incumprimento do pacto orçamental, que exige a apresentação de um orçamento ainda este ano e não daqui a oito meses; sem escrúpulo de provocar o incumprimento do deficit, antes intocável; expondo os financiamentos do estado e das empresas à especulação dos mercados e à subida dos juros; violando deliberadamente o princípio constitucional de igualdade de todos os partidos perante a lei fundamental e da eleição do governo segundo a aprovação da maioria parlamentar.  
A assinatura do acordo de privatização da TAP surge, neste contexto, como uma provocação para explorar as divergências entre os partidos de esquerda na matéria.
Caiu a verdadeira fraude eleitoral que confundia as eleições de deputados com a eleição de um primeiro-ministro e amarrava o PS à mesma política do PSD e do CDS. A Constituição da República, as leis eleitorais, nos quarenta anos de democracia, sempre determinaram a eleição dos governos pela Assembleia da República e a eleição dos seus deputados pelo voto popular. Não há outra tradição ou legitimidade política. É a democracia liberal, ocidental, a funcionar, tal como acontece na maior parte dos países europeus. O Presidente da República convida a formar governo o partido ou os partidos mais votados, mas não escolhe nem o governo nem o seu programa. Resta-lhe a prorrogativa de avaliar se a solução encontrada pela Assembleia da República permite o funcionamento regular das instituições constitucionais.
Nos últimos dias multiplicaram-se as críticas aos acordos multilaterais do governo de centro-esquerda do PS. Que é um simples entendimento e não um acordo, que é frágil, porque não inclui os líderes dos quatro partidos. Se os incluísse. Dir-se-ia que estava em causa a solidez dos compromissos internacionais: que o governo português ficaria sobre suspeição da Nato, como se ainda existisse o Pacto de Varsóvia… Que falta o compromisso em torno dos Orçamentos da legislatura, que ninguém pode elaborar hoje, a três ou quatro anos de distância e por aí adiante!
Quando avaliamos, objetivamente, as condições para a solidez dos acordos políticos e do governo do PS com apoio parlamentar à esquerda, todos os argumentos são subjetivos e parciais, com exceção de dois:
A solidez pode medir-se pela existência de uma maioria parlamentar de deputados, e ela ficou comprovada na votação da moção de rejeição do governo PSD/CDS, por 123 votos contra 107.
A solidez pode medir-se pela introdução nos acordos de uma cláusula que perspetiva a sua duração para a legislatura, e ela existe, não só genericamente, mas no concreto da aplicação das suas medidas progressivamente ao longo de quatro anos.
Todas as outras exigências são do domínio da falácia política e da criação de um clima propício ao golpe palaciano do Presidente da República, que a direita está disposta a usar até ao fim como “boi de piranha”!
O acordo múltiplo entre os partidos de esquerda diz de si próprio, em linguagem simbólica, como nos versos (Soneto Fidelidade) de Vinicius de Morais, “Que não seja imortal, posto que é chama. Mas que seja infinito enquanto dure.” Para que assim seja, preconiza sempre o diálogo e a negociação perante as dificuldades e reconhece a cada um o direito à sua ação e propaganda política autónomas até ao fim da legislatura. No seu conteúdo político prevalece o programa matriz do PS, como partido hegemónico.
Enganam-se os arautos da direita quando reduzem o problema à ambição de um líder e ao pragmatismo dos outros partidos, ou fingem que não percebem como se alterou a correlação de forças em Portugal e na União Europeia, que tem sido, a União do PPE, os partidos conservadores e de direita que falam em nome da Europa, controlando todos os órgãos da UE.
O fim do bipartidarismo em Portugal revelou uma direita incapaz de se renovar e que ficou reduzida a uma base eleitoral que representa cerca de um quarto do eleitorado, se contarmos também com os abstencionistas. Uma direita tradicional que pressente que o poder lhe escapará no futuro.
As diferenças de posição sobre questões como as privatizações ou a dívida soberana não são fissuras no acordo, são o pluralismo da esquerda exposta ao debate político e ao compromisso pelas grandes causas democráticas, que já o foram da social-democracia e da democracia cristã: a soberania nacional e o direito das nações a escolher o seu regime; o estado social; a universalização do direito à saúde, à proteção social, a paz e a cooperação…
O PCP e as forças políticas que fundaram o BE escolheram a via democrática para atingir o socialismo. Essa escolha foi feita no último confronto militar da Revolução de Abril, o 25 de Novembro. O país ficou a dever à direção de Álvaro Cunhal e aos líderes militares da esquerda revolucionária, que dispunham à época de superior capacidade operacional, o acordo com o Grupo dos 9 e os outros partidos democráticos para evitar a guerra civil. A Constituição da República de 1976 selou esse acordo, do PSD à UDP, deixando de fora o CDS que votou contra. Este caminho foi igualmente seguido pelos revolucionários latino americanos e pelos contra revolucionários do leste, que utilizaram os mesmos instrumentos políticos, para mudar os regimes: o movimento sindical e a grandes manifestações populares; no Brasil, o sindicalista  Lula e a luta pelas “diretas”; na Polónia, Lech Wałęsa e o sindicato Solidarność; ambos se tornaram Presidentes da República.
O PS francês e o Partido Democrático italiano compreenderam finalmente que a UE caminhava para a estagnação e nova crise financeira e apoiaram a  política monetarista do BCE; opuseram-se à expulsão do Euro da Grécia e proclamaram a necessidade de uma urgente reforma democrática na europa comunitária. Os partidos socialistas que prosseguiram até ao fim a política austeritária desagregaram-se, como na Hungria e na Grécia; entre os partidos comunistas desenharam-se caminhos opostos: aqueles que mantiveram a sua identidade e que procuraram alianças políticas com forças democráticas e socialistas, como na Espanha através da Esquerda Unida e na França, a Frente de Esquerda, sobreviveram e cresceram; os que não o fizeram, como na Grécia, reduziram drasticamente a sua expressão política.
E qual a trajetória dos partidos tradicionais da direita, os conservadores, centristas, populares?
No norte, centro e sul da UE beneficiaram do apoio dos socialistas; mas no leste, a crise austeritária tem vindo a dispensá-los e a fazer subir ao poder partidos chauvinistas de extrema-direita. No Reino Unido, provocaram o crescimento do movimento pela independência da Escócia e em Espanha, a abertura institucional do processo independentista da Catalunha. Apenas em Espanha, face ao surgimento do PODEMOS, a direita deu início á sua renovação democrática, mas fora do PP em decadência, com a criação dos Ciudadanos, nascidos exatamente no centro nevrálgico da crise austeritária da Espanha, a Catalunha.
O partido conservador inglês pode ter aberto o ciclo de desagregação da União Europeia, que só uma futura vitória do novo líder de esquerda trabalhista poderá estancar, com o seu ultimato à Comissão Europeia: reforço dos direitos dos países que não fazem parte da zona do euro, mas na lógica dos interesses  britânicos; reduzir o nível de integração europeia do Reino Unido, novas medidas para a competitividade da UE  e mais poder a Londres em relação aos imigrantes que chegam ao continente. No concreto, sabemos apenas que Cameron pretende impedir que os imigrantes de outros países da UE tenham direito a benefícios sociais durante quatro anos, restringir o direito à livre circulação de trabalhadores dos novos países da UE até que as suas economias se desenvolvam. E anuncia o referendo sobre a permanência na UE antes do final de 2017 como moeda de troca.

A orientação do trabalho de esclarecimento político para a base popular do PSD e do CDS e da grande massa de abstencionistas, e não para a demarcação de posições entre aliados, a salvaguarda do acordo que permitirá a formação do governo de centro-esquerda em vez da disputa sobre problemas secundários, como a direita pretende, a exigência da chamada dos partidos a S. Bento para que se inicie o ciclo constitucional de constituição do novo governo e a convergência nas presidenciais, são as condições políticas para o renascimento e a coesão nacionais contra o inimigo comum dos povos e nações soberanas e de Portugal, a oligarquia financeira sem pátria.
O direito a resignar


Não sei se o atual presidente da República é o líder desta tentativa de golpe palaciano ou o velho “boi de piranha” que a direita anticonstitucional empurrou para a frente sem compaixão pelo seu sacrifício.Nada me move contra o ser humano e espero sempre do Presidente da República um gesto de dignidade política, que eduque pelo exemplo.
Se o presidente quer findar o seu consulado com um gesto de coerência política com os seus mandatos sectários, também o pode fazer no pleno respeito da Constituição e do seu Artigo 31º: resigna e o atual presidente da Assembleia da República assume todas as suas funções constitucionais até à eleição do novo presidente. Seria este magistrado, no pleno exercício dos seus poderes constitucionais, a convidar o líder do 2º partido mais votado a formar governo. E os portugueses ficariam a conhecer melhor a sua Constituição, que votaram quase unanimemente, mas não leram.

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